Folha - Quais as consequências da ascensão política dos evangélicos?
Mangabeira Unger - O desmerecimento preconceituoso dos
evangélicos é um dos maiores escândalos de nossa vida nacional. Eles
encarnam a nova consciência que se afirma no país: cultura de autoajuda e
de iniciativa.
Difunde-se essa consciência a partir de pequena burguesia empreendedora,
evangélica e católica, e alcança número crescente de trabalhadores mais
pobres.
A teologia da prosperidade pode ser produtiva economicamente?
O cerne da teologia neopentecostal não é o culto da prosperidade
conquistada pelo esforço individual; é a reverência pelo empoderamento
dos crentes. Há muito a criticar, a começar pela tentação de isolar-se
em comunidades pautadas por padrões superiores de conduta em vez de
lutar para reconstruir as instituições econômicas e políticas. Se
estiver, porém, calcada no desrespeito e no desconhecimento, a crítica
não presta.
Então, é positiva a ascensão dos evangélicos para o país?
Como pode não ser boa se são mais de 40 milhões de brasileiros? Como se
pode imaginar vida política no país sem a sua participação? É uma
distorção da ideia republicana imaginar que as pessoas não possam
legitimamente inspirar as suas convicções políticas em convicções
religiosas.
Há setores na esquerda que acham incompatível ter simpatia pelo segmento evangélico e empreendedor.
A ideia central da esquerda –do único tipo de esquerda que vale a pena
preservar– é a concepção do engrandecimento dos homens e das mulheres
comuns. A diminuição das desigualdades é acessória a esse objetivo. Não
repitamos no Brasil a trajetória calamitosa da esquerda europeia, que
demonizou a pequena burguesia, ajudando a convertê-la em sustentáculo
dos movimentos de direita e distanciando-se das aspirações reais dos
trabalhadores.
As eleições municipais representam vitória para a direita?
A interpretação de que a eleição foi avanço da direita e do populismo sem definição programática é distorcida.
Vários dos políticos eleitos são classificados como de direita porque
são próximos a essa pequena burguesia empreendedora a que me referi. A
esquerda gosta de vê-los como conservadores e seus representantes,
portanto, como políticos de direita, mas eles não se veem assim.
O que mostram os resultados?
O eleitor tratou de sobreviver: defender-se e resguardar sua comunidade.
Desprezou rótulos ideológicos convencionais. Escolheu sem levar a sério
o discurso que os partidos preferem porque imaginam, falsamente, que o
povo quer açúcar.
Confia na saída da crise pelo programa do governo Temer?
O governo que acaba de ascender na onda do desastre apresentou como
fórmula o corte das despesas públicas, condição necessária, porém
radicalmente insuficiente.
Ao cingir-se a essa fórmula, as forças que tomaram o poder decretaram
falência intelectual: não têm a menor ideia do que fazer, a não ser
trancar o cofre e deixar chaves nas mãos dos credores da dívida pública,
na esperança vã de que tanta obediência produza muito investimento.
O resultado desabará sobre a cabeça da maioria trabalhadora.
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