terça-feira, 8 de novembro de 2016

O juízo final

Por Arnaldo Jabor - Estadão
Esse pavoroso ser chamado Trump (verbo que em inglês quer dizer “acusar alguém falsamente”, de onde sai o substantivo Trumpery – “exibição sem valor”) não podia ter acontecido na vida americana. Ou melhor, podia sim, mas ninguém sabia. Os americanos se sentiam nestes tempos de crise como o país onde a “democracia sagrada” era um oásis político no mundo conflagrado. Tudo funcionaria bem, como funcionou o governo do Obama, que superou a crise de 2008 e tornou o país mais progressista e inteligente. Pensam que isso adiantou para a massa? Nada. Por isso, um elemento como o Trump, uma espécie de homem-bomba americano, está sendo votado hoje por mais de 60 milhões de pessoas. Como pode? Os Estados Unidos se revelaram uma “super banana republic”, apoiando fortemente uma das piores pessoas que já apareceram no mundo político. Ele é o auge sinistro de uma psicopatia narcísica transformada em espetáculo, ele é um fruto podre da “cultura da celebridade”, das comunicações transformadas em “infoentertainment”, ou seja, a mistura de espetáculo com informação. Até suas mulheres são um show careta programado – todas são iguais, louras, cabelos de chapinha, sorridentes e submissas peruas do mal.

Esse palhaço surgiu na TV, e sua fama se dá justamente pela absurda personalidade e pela grossura sem peias. Creio que essa boçalidade até agrada ao cidadão médio, rancoroso por sua vida de fracassos.

Sua figura repugnante não assusta seus eleitores; pelo contrário, há um fascínio pela estupidez, que é confundida com uma espécie de “liberdade” de pensar o impossível. Só o simplismo mais raso impressiona nesta época tão complicada no mundo. As mentiras colam porque a verdade está insuportável.

Se bem que o Trump não mente, apenas. Ele criou um novo tipo de sordidez: inventa fatos sem comprovação, como dizer que o Obama não era americano, que a Hillary fez surgir o Estado Islâmico, que as mulheres que ele arrastaria pela vagina são pagas pelos democratas, que vai fazer uma parede contra o México, que vai acabar com a Otan, em suma, quanto maior o absurdo mais impacto para a multidão de burros que assola o país.

Trata-se de uma ridícula, mas perigosa revolução: criar a divisão da América em “nós e eles”, como, aliás, nosso Trumpinho Lula fez tão bem e como agora o Trumpinho zumbi evangélico vai fazer no Rio. Mesmo que perca (o que creio que acontecerá), ele já causou um mal pavoroso: a democracia americana foi humilhada diante do mundo, virou uma chacota, um vexame.

É inconcebível que a América possa ser governada por um psicopata. Ele não é nem “de direita”, nem fascista, como se diz em nosso vocabulário simplista – ele é o Mal. Ele buscou todas as faces do Mal e reuniu-as em um programa, um boletim para o fim do mundo. E os imbecis adoram essas dualidades: o Mal e o Bem claramente divididos.

Hillary disse um frase assustadora, mas verdadeira: “Eu sou o último obstáculo contra o apocalipse”. E é mesmo. Trump me lembra o filme Dr. Fantástico, no qual um general enlouquece e ataca a Rússia, que hoje é o feudo do outro canalha supremo, seu amigo Putin, que arrasa a Síria com o carniceiro Assad e protege aquele traidorzinho escroto do Snowden. Já imaginaram seu dedinho sinistro nos botões da guerra nuclear?

Como ele passa incólume por essas afirmações? Por quê? Porque o país está descobrindo tardiamente que tem uma população de idiotas alfabetizados, ativos e militantes, diferentes dos pobres latinos, que não sabem ler e moram na miséria extrema. Se não for eleito (porque Deus é grande), terá prestado um serviço involuntário à sociologia americana: vão estudar e tentar entender como metade do país não é democrática, pois a democracia não pode ser pressuposta, mas é uma eterna vigilância, como já disseram os velhos udenistas.

Outra coisa que ajudou o rato foi o tradicional “democratismo” americano: o medo da mídia de tomar posições, equiparando bobagens irrelevantes, como os tais e-mails da Hillary, com os crimes contábeis do bilionário do Mal. Agora, com a positiva reavaliação do FBI, acordaram para o perigo, mas é um pouco tarde.

A “ditadura da maioria”, que Tocqueville previu, ganhou presença. Dominada por um demagogo, todos os conceitos totalitários irrompem: racismo, violência, moralismo, negação da ciência. Ele declara que o país está quebrado, apesar de ter melhorado muito depois de 2008. O povo engole a mentira, mesmo com a opinião de 370 economistas do mundo que fizeram um manifesto contra a visão econômica do rato.

A existência desse sujeito se deve também à ausência de qualquer proposta programática na agenda dos republicanos de hoje. Em todo o governo Obama, os vapores do “Tea Party” pautaram o bloqueio sistemático a tudo – sua único programa era impedir a governança, mesmo que quebrasse o país, como quase aconteceu quando provocaram o calote da dívida pública, que Obama conseguiu reverter na última hora. Eles não têm mais escrúpulos como no tempo do Reagan. Hoje, seus canalhas máximos são o Giuliani e o Newt Gringuich, com um claro apoio da KKK.

Mesmo que perca (“Allahu Akbar!” ), ele já é vitorioso. Isso. Como você se sentiria se fosse um narcisista psicótico e tivesse virado uma ameaça ao mundo e à democracia? Um triunfo. Já há bandos de doentes mentais que querem virar milícias e atacar Washington armados, como aliás o Trump sugeriu, se a regulamentação de armas passasse. É incrível, mas é verdade.

O grande poeta T. S. Eliot escreveu o célebre verso: “É assim que o mundo vai acabar – não com um estrondo, mas com um gemido”. Se esse pavoroso ser ganhar, o mundo acaba não com um estrondo, mas com um mugido.

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