Editorial - Estadão
A política, garantem os políticos, é a arte do possível. Trata-se de uma explicação sensata para o fato de que fazer política é lidar com divergências e governar para todos significa buscar sempre a conciliação de interesses conflitantes. Há sempre um ponto, porém, além do qual a explicação passa a ser apenas uma desculpa para a falta de genuína vontade de enfrentar dificuldades ou a tibieza diante de uma questão que envolve alto preço político e coragem para avançar. Infelizmente, essa segunda hipótese é a que fica no ar depois da leitura de entrevista sobre a reforma da Previdência dada pelo ministro Eliseu Padilha ao jornal Valor. De acordo com o ministro, a proposta de reforma da Previdência Social que será encaminhada ao Congresso pelo governo “já está do tamanho possível”, o que significa que, “se quiser apertar mais, pode inviabilizar”. Para o Planalto, só é “possível”, basicamente, fixar a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres e estabelecer um regime único tanto para trabalhadores do setor privado como do funcionalismo público. Assim mesmo, “não será fácil aprovar” a reforma, segundo Padilha.
Certamente, uma reforma moderada é melhor do que reforma nenhuma, considerando que o sistema previdenciário brasileiro está à beira da falência. E é claro também que, na medida em que envolve questões extremamente sensíveis do ponto de vista social, o assunto é um prato cheio para a oposição. Toda cautela, portanto, é necessária para não inviabilizar a reforma.
As palavras do ministro Padilha, no entanto, parecem sinalizar que o Palácio do Planalto já entregou os pontos na luta por uma reforma minimamente ousada e eficaz – aquela que o caos da Previdência exige. É difícil saber até que ponto o governo teria imaginado, originalmente, enfrentar o populismo na luta pelas reformas necessárias no País, e que vão além da Previdência. Mas a garantia frequentemente reiterada pelo presidente Michel Temer de que não tem ambições eleitorais e se dará por satisfeito se lograr fazer um “bom governo” autorizava acreditar que sua administração estaria disposta a enfrentar corajosamente desafios impopulares como todos aqueles relativos à imposição de austeridade na gestão da coisa pública.
É óbvio que reformar o sistema previdenciário implica mexer com interesses corporativos enraizados – como o do funcionalismo público – e também com direitos adquiridos. Não faltarão paladinos da justiça que, mesmo diante de uma proposta que estabeleça claramente a justa preservação de direitos, sairão às ruas para proclamar que não admitirão “nenhum direito a menos”. A oposição, aliás, já deixou claro que lutará contra qualquer proposta que o governo apresente, e eventualmente contará com o apoio de setores governistas historicamente comprometidos com interesses corporativos.
Além da pressão externa, tanto as genuínas quanto aquelas manipuladas por uma oposição que depois do pleito municipal não tem mais nada a perder, o governo terá que se haver também, pelo menos até fevereiro – quando se renovarão as mesas diretoras do Senado Federal e da Câmara dos Deputados –, com a cínica chantagem de senadores e deputados que cobram um preço alto para votar a favor das propostas de interesse do Planalto. Mas ninguém nunca disse que seria tarefa fácil administrar o catastrófico legado do lulopetismo.
Assim, a posição do governo sobre a reforma da Previdência anunciada pelo ministro Eliseu Padilha é decepcionante: deixa claro que a proposta oficial apenas aliviará por algum tempo o enorme déficit atual, que continuará subindo, segundo garante o próprio Padilha: “Vai subir moderadamente, nos primeiros oito anos, dez anos, e depois começa a subir de novo, porque a expectativa de vida aumenta e menos pessoas chegam ao mercado de trabalho”. Aí, então, um novo governo – espera-se que mais destemido que o atual – pensará em uma nova proposta. Ou seja, a julgar pela manifestação do seu ministro-chefe da Casa Civil, o governo empurrará com a barriga a crise previdenciária. Como o déficit da Previdência é o fator determinante da monumental dívida pública que bloqueia o crescimento da economia, seguidas as prescrições de Padilha, o Brasil terá data certa para explodir. A esperança, portanto, é que o chefe da Casa Civil, que se comporta como um primeiro-ministro, não sabia o que disse.
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