Editorial - Folha de SP
Foi como se um Boeing tivesse colidido contra a pomposa e tradicional fachada do establishment político norte-americano. De forma quase instantânea, o abalo eleitoral na grande potência repercutiu em todos os cantos do planeta. Atônitos, comentaristas não disfarçavam o embaraço ao tentar explicar como o republicano Donald Trump atropelou as pesquisas, a inclinação majoritária da mídia e os temores dos mercados quanto a sua condução à Casa Branca.
Como no 11 de Setembro, a sensação era de incredulidade. O tradicional revezamento entre democratas e republicanos materializou-se de maneira plena e categórica, com vitórias na Presidência, no Senado e na Câmara.
O pânico logo começou a reverberar nos indicadores econômicos e nas análises políticas. O triunfo de Trump, afinal, é a vitória da xenofobia, do nacionalismo extemporâneo, do racismo, da intolerância e da descrença na política.
A tendência, contudo, é que avaliações mais serenas e atitudes menos irracionais comecem a prevalecer. Uma vez eleito, o republicano não tardou em acenar com um gesto conciliatório e deflagrar uma operação de redução de danos.
Com o país dividido pelo voto popular, um processo de apaziguamento e estabilização seria desejável, mas não é tarefa simples.
Ainda que o magnata desista de algumas das promessas mais extravagantes —como erguer um muro na fronteira com o México e expulsar milhões de imigrantes em situação irregular—, ele terá de prestar contas aos seus eleitores, uma massa que deseja ver os EUA "grande novamente", sem que se saiba ao certo que isso significa.
Entre os menos catastrofistas, espera-se que Trump não coincida por inteiro com a imagem caricata, truculenta e grotesca que projetou durante a campanha. Seus êxitos na disputa e sua vida empresarial relativamente bem-sucedida seriam sinal de algum pragmatismo e inteligência.
A confirmar-se essa expectativa, ele poderia ser menos perigoso do que se receia. A própria sociedade civil americana e as instituições políticas do país exercerão saudável controle, dentro de um sistema de freios e contrapesos invejável para a maior parte das democracias.
De todo modo, não há dúvida de que a eleição do republicano representa um avanço de ideias conservadoras –em alguns casos, sombrias— e coloca os EUA em sintonia com outras realidades internacionais, como atesta o plebiscito que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia.
Qualquer semelhança entre o perfil de Donald Trump e o de personagens como a ultradireitista Marine Le Pen, cada vez mais influente na França, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ou o da Rússia, Vladimir Putin, não é mera coincidência.
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