Completam-se hoje 28 anos da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. A Carta de 1988 foi eficiente no cumprimento da principal tarefa que lhe foi atribuída pela Assembleia Constituinte: a instituição de um Estado Democrático de Direito, após o longo período autoritário do regime militar. O texto constitucional foi porto seguro para completar a transição democrática.
As manifestas qualidades da Constituição de 1988 não dissimulam, contudo, suas deficiências. Basta ver que, se for levada ao pé da letra, a Carta constrange a capacidade financeira do Estado, impondo uma situação em que o colapso é quase um destino. Benefícios, dotações e vinculações constitucionais não apenas imobilizam cerca de 90% do Orçamento da União, como têm crescimento vegetativo, o que, com o passar do tempo, coloca o País na rota da insolvência fiscal, mesmo que a carga tributária tenha contínua expansão.
Sem a necessária liberdade para decidir as despesas de acordo com suas prioridades, o governo, qualquer governo, não pode dar um padrão razoável de qualidade ao uso que faz do dinheiro público. Remendos, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e medidas no campo tributário, têm evitado o colapso da política fiscal. Mas não passam de remendos.
Os quase três decênios da Carta evidenciam, por isso, a necessidade de sua ampla reforma. Já foram aprovadas 93 emendas constitucionais e, mesmo assim, não se conseguiu garantir funcionalidade à Carta de 1988, que, repleta de boas intenções, nasceu mal calibrada. O tempo nada mais fez do que evidenciar seu desequilíbrio.
O Estado oriundo da Constituição de 1988 tinha a pretensão de “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, dispõe o preâmbulo. Certamente é compreensível tal aspiração. Não é compreensível, porém, supor que esse estado de coisas será assegurado pelo poder público, como se ele fosse detentor de uma fonte infinita de recursos.
Nos termos em que foi formulada – e, especialmente, na forma pela qual foi interpretada –, a Constituição de 1988 tem sido causa de cíclicas crises, tanto fiscais como políticas. Não é razoável achar, por exemplo, que a simples menção a direitos sociais é suficiente para eliminar nossa histórica desigualdade social e nivelar as profundas deficiências dos serviços públicos básicos, como saúde, educação e segurança. No entanto, foi isso o que a Carta fez, impondo ao Estado um sem-fim de obrigações.
A disfuncionalidade da Constituição decorrente do fato de prometer mais do que podia entregar foi agravada pela interpretação de que todas essas bem-intencionadas promessas eram cláusulas pétreas, impedindo posteriores modificações. Nesse tópico, a Assembleia Constituinte inspirou-se na Constituição portuguesa de 1976, com o seu amplo rol de itens “pétreos”, como se tornar tudo inamovível asseguraria um Estado de bem-estar social. O legislador brasileiro esqueceu-se, porém, de acompanhar a experiência de Portugal, que, para garantir funcionalidade a sua Constituição, se viu obrigado a promover quatro profundas reformas constitucionais. Lá, entenderam que a fórmula originalmente aprovada não estava funcionando. Aqui, parece ainda perdurar juvenil deslumbramento com o texto constitucional.
Eis, portanto, uma esplêndida oportunidade para, após 28 anos de sua promulgação, repensar a Constituição. Certamente as quase três décadas de normalidade democrática conferem maturidade para perceber a plena compatibilidade de reformar profundamente a Constituição e, ao mesmo tempo, manter aquilo que lhe é mais essencial, a configuração democrática do Estado brasileiro. Esses 28 anos são também a comprovação empírica de que não basta assegurar tudo na lei, de forma idealista, sem ter disponibilidade de meios. Tal irrealismo simplesmente trava o Estado.
Tem-se agora oportunidade única para debater e reformar corajosamente a Constituição de 1988. O Brasil merece e a realidade exige esse debate.
As manifestas qualidades da Constituição de 1988 não dissimulam, contudo, suas deficiências. Basta ver que, se for levada ao pé da letra, a Carta constrange a capacidade financeira do Estado, impondo uma situação em que o colapso é quase um destino. Benefícios, dotações e vinculações constitucionais não apenas imobilizam cerca de 90% do Orçamento da União, como têm crescimento vegetativo, o que, com o passar do tempo, coloca o País na rota da insolvência fiscal, mesmo que a carga tributária tenha contínua expansão.
Sem a necessária liberdade para decidir as despesas de acordo com suas prioridades, o governo, qualquer governo, não pode dar um padrão razoável de qualidade ao uso que faz do dinheiro público. Remendos, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e medidas no campo tributário, têm evitado o colapso da política fiscal. Mas não passam de remendos.
Os quase três decênios da Carta evidenciam, por isso, a necessidade de sua ampla reforma. Já foram aprovadas 93 emendas constitucionais e, mesmo assim, não se conseguiu garantir funcionalidade à Carta de 1988, que, repleta de boas intenções, nasceu mal calibrada. O tempo nada mais fez do que evidenciar seu desequilíbrio.
O Estado oriundo da Constituição de 1988 tinha a pretensão de “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, dispõe o preâmbulo. Certamente é compreensível tal aspiração. Não é compreensível, porém, supor que esse estado de coisas será assegurado pelo poder público, como se ele fosse detentor de uma fonte infinita de recursos.
Nos termos em que foi formulada – e, especialmente, na forma pela qual foi interpretada –, a Constituição de 1988 tem sido causa de cíclicas crises, tanto fiscais como políticas. Não é razoável achar, por exemplo, que a simples menção a direitos sociais é suficiente para eliminar nossa histórica desigualdade social e nivelar as profundas deficiências dos serviços públicos básicos, como saúde, educação e segurança. No entanto, foi isso o que a Carta fez, impondo ao Estado um sem-fim de obrigações.
A disfuncionalidade da Constituição decorrente do fato de prometer mais do que podia entregar foi agravada pela interpretação de que todas essas bem-intencionadas promessas eram cláusulas pétreas, impedindo posteriores modificações. Nesse tópico, a Assembleia Constituinte inspirou-se na Constituição portuguesa de 1976, com o seu amplo rol de itens “pétreos”, como se tornar tudo inamovível asseguraria um Estado de bem-estar social. O legislador brasileiro esqueceu-se, porém, de acompanhar a experiência de Portugal, que, para garantir funcionalidade a sua Constituição, se viu obrigado a promover quatro profundas reformas constitucionais. Lá, entenderam que a fórmula originalmente aprovada não estava funcionando. Aqui, parece ainda perdurar juvenil deslumbramento com o texto constitucional.
Eis, portanto, uma esplêndida oportunidade para, após 28 anos de sua promulgação, repensar a Constituição. Certamente as quase três décadas de normalidade democrática conferem maturidade para perceber a plena compatibilidade de reformar profundamente a Constituição e, ao mesmo tempo, manter aquilo que lhe é mais essencial, a configuração democrática do Estado brasileiro. Esses 28 anos são também a comprovação empírica de que não basta assegurar tudo na lei, de forma idealista, sem ter disponibilidade de meios. Tal irrealismo simplesmente trava o Estado.
Tem-se agora oportunidade única para debater e reformar corajosamente a Constituição de 1988. O Brasil merece e a realidade exige esse debate.
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