Editorial - Estadão
É necessário preservar as condições para que a Operação Lava Jato possa levar a bom termo os seus trabalhos. Como amplamente reconhecido pela sociedade, a operação tem prestado um relevante serviço no combate à impunidade e seria enorme retrocesso impedir ou, ao menos, dificultar o avanço das investigações. O reconhecimento das inúmeras qualidades da Lava Jato, porém, não implica conferir ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF) uma infalibilidade que, por certo, não possuem. É preciso reconhecer que nem sempre seus interesses corporativos expressam com exatidão o interesse público.
Promovido pelo MPF e atualmente em análise pela Câmara dos Deputados, o conjunto das dez medidas anticorrupção pode, sem dúvida, contribuir para o combate à impunidade. Há, porém, pontos do projeto que merecem reparos. Nem tudo o que lá está proposto é bom para o País, ainda que o MPF diga que as medidas são absolutamente necessárias, como se o desacordo com alguma delas fosse sinônimo de conivência com a corrupção.
Entre as dez propostas anticorrupção estão “ajustes nas nulidades penais”. Nesse tópico, inclui-se, por exemplo, a não exclusão, em determinados casos, da prova ilícita. O MPF pretende que provas ilícitas obtidas por boa-fé sejam aproveitadas no processo judicial. Ora, especialmente nessa área, é muito oportuno que as palavras não sejam relativizadas. Caso contrário, as garantias individuais acabam também sendo relativizadas.
Prova ilícita é prova ilícita, por mais boa-fé que tenha havido em sua produção. A boa-fé não apaga eventual ilicitude e não se combate o crime estimulando outro crime. Alguém duvida que a utilização de prova ilícita – “em alguns casos”, “sob determinadas circunstâncias” – não será um incentivo à produção de mais provas ilícitas, violando direitos que devem ser invioláveis?
É, portanto, sensata a posição do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator do projeto das dez medidas anticorrupção na Câmara, de analisar detidamente cada uma das propostas. Além da questão da prova ilícita, Lorenzoni estuda possíveis alterações na restrição à concessão de habeas corpus, na possibilidade de prisão preventiva para recuperar recursos desviados e no chamado teste de integridade para servidor público – “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração Pública”. Manifestamente abusivo, esse teste inverte o papel do Estado, atuando como se fosse o corruptor.
Também merece ir adiante, à revelia dos interesses corporativos do MPF e da PF, o projeto da nova Lei de Abuso de Autoridade. A legislação em vigor é de 1965. Além de ultrapassada, é genérica e pouco eficaz. Os críticos do projeto sustentam que sua aprovação inibiria os trabalhos da Lava Jato.
Ora, o projeto foi apresentado em 2009, muito antes, portanto, do início da operação. Ele é resultado das observações de um grupo de trabalho formado por integrantes do Supremo Tribunal Federal, do Legislativo e do Executivo. Na ocasião, a iniciativa foi vista como parte de um novo “pacto republicano” para tornar a Justiça mais ágil, acessível e condizente com a proteção aos direitos fundamentais, conforme previsto na Constituição.
É uma péssima defesa da Lava Jato sustentar que ela necessita de certa margem de tolerância com o abuso de autoridade. Quem assim atua desconhece o principal mérito da operação: mostrar e fazer valer que a lei é para todos, também para quem – por sua riqueza, seu poder ou sua popularidade – se achava imune à ordem legal.
É, portanto, muito oportuna uma lei que reforce a necessária submissão de todas as autoridades à lei, com a previsão de consequências concretas no caso de violação dos limites legais.
Um ordenamento jurídico equilibrado é condição, e não empecilho, para combater a corrupção.
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