Editorial - Estadão
Não há mais como tratar o rombo nas contas públicas como um problema trivial, cuja solução pode ficar para depois. Pode-se dizer que, ao votar a emenda que limita os gastos da União, o Congresso decidirá que tipo de país terão as futuras gerações: se será forte o bastante para enfrentar os maiores desafios sem recorrer à irresponsabilidade fiscal ou se estará mesmo fadado à mediocridade das crises cíclicas. O governo do presidente Michel Temer teve o mérito, nos últimos dias, de colocar as coisas nesses termos, ressaltando a urgência que o tema impõe. Ao se dirigir à sociedade em busca de apoio, Temer deixou claro que a grave crise que o País enfrenta só tem essa dimensão porque foi construída meticulosamente na última década pela inconsequência populista dos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
Foi esse o tom do anúncio que o governo fez publicar nos principais jornais para defender a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241. O anúncio arrola os diversos casos de desperdício de dinheiro público durante os governos lulopetistas, desde as refinarias superfaturadas da Petrobrás até o endividamento do Tesouro para emprestar dinheiro ao BNDES, passando pelos prejuízos nos fundos de pensão de estatais e pelo inchaço da máquina pública. Ao final, o anúncio chama os brasileiros à razão: “Quando um governo gasta mais do que arrecada, quem paga a conta é você”.
Com isso, o governo quer demonstrar que, se o descalabro de que hoje o País padece resultou de um cuidadoso desmonte, peça por peça, do edifício de prudência fiscal erigido junto com o Plano Real, não será com uma canetada voluntarista que se reverterá esse desastre. Ao contrário: será preciso muito sacrifício, do conjunto da sociedade e por um longo período, para que se reequilibrem as contas e se devolva aos agentes econômicos a sua capacidade de investir e produzir.
Nesse sentido, o texto da PEC 241 apresentado em comissão da Câmara vai na direção certa. Além de prever punição para órgãos que estourarem o orçamento, a proposta congela salários do funcionalismo e veta o reajuste do salário mínimo acima da inflação caso as contas não fechem. Ao mesmo tempo, prevê a extensão da vigência do mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (DRU) de 30% da arrecadação até 2036. Assim, a PEC não só estende por um longo prazo esse instrumento, que permite ao governo remanejar receitas para quitar despesas que considerar prioritárias, como aumenta de 20% para 30% a alíquota de desvinculação.
O relator da PEC 241, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), acompanhou o discurso do governo, ao lembrar aos colegas que, “caso nada seja feito, o dia do juízo fiscal chegará e atingirá a todos, famílias, aposentados, funcionários públicos e empresários”.
A retórica de caráter apocalíptico serve para chamar a classe política à responsabilidade. Temer reuniu-se com líderes governistas e, segundo relatos de participantes, fez apelos em tom dramático, acompanhado do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que tratou de expor, com crueza, o tamanho do problema. Com isso, o governo espera, nas palavras de Temer, que os parlamentares façam uma “demonstração de seriedade” e aprovem a PEC.
Esse esforço deveria bastar para sensibilizar os congressistas. No entanto, a título de reduzir riscos, o governo infelizmente manteve a deplorável prática do toma lá dá cá, que tão mal faz ao País. Para agradar ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), neste momento decisivo, Temer nomeou para o Ministério do Turismo um afilhado do senador alagoano. Só isso já seria reprovável, dado o histórico judicial de Renan. Mas ele foi além: o tal afilhado é réu no Supremo Tribunal Federal em processo por falsidade ideológica.
Nada, nem mesmo a necessidade de aprovar tão importante matéria como a PEC 241, justifica tal concessão a uma gente pouco interessada na resolução dos graves problemas nacionais e que usa a política apenas como meio de auferir vantagens pessoais. É em momentos graves como este que o País precisa de um governo com pulso firme para enfrentar aqueles que, com suas práticas nefastas, aviltam a política e, com isso, ajudam a perpetuar crises.
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