Folha - Qual é a consequência da vitória de Marcelo Crivella no Rio para os evangélicos na política?
Christina Vital - Há uma tensão diante do crescimento do PRB. A Iurd [Igreja Universal do Reino de Deus, ligada ao partido] vem comprando horários em outras emissoras, não só na Record, encarecendo-os, fazendo uma gentrificação do espaço público.
Christina Vital - Há uma tensão diante do crescimento do PRB. A Iurd [Igreja Universal do Reino de Deus, ligada ao partido] vem comprando horários em outras emissoras, não só na Record, encarecendo-os, fazendo uma gentrificação do espaço público.
Muitas lideranças da Assembleia de Deus e outras denominações veem com
apreensão o crescimento de uma corrente que não lhes representa e é
avassaladora em termos econômicos e de ocupação do espaço público.
Mas, por outro lado, desde pelo menos 2014, há um investimento de
importantes lideranças evangélicas em torno de unidade para ocupação dos
Executivos. No Legislativo, é mais fácil, você fala para um núcleo.
Para o Executivo, tem de conciliar a fala para a base religiosa com a
fala para a sociedade em geral.
Essa unidade pode crescer para 2018?
A possível candidatura presidencial de 2018 em torno do [deputado do PSC-RJ, Jair] Bolsonaro é talvez mais representativa de um movimento de unidade de diferentes denominações.
A possível candidatura presidencial de 2018 em torno do [deputado do PSC-RJ, Jair] Bolsonaro é talvez mais representativa de um movimento de unidade de diferentes denominações.
A Assembleia de Deus, a Sara Nossa Terra e a Igreja Batista já o apoiam.
Até o momento, a Universal do Reino de Deus consegue ser inimiga de
católicos e de outros evangélicos. Tem uma condição muito singular. E
pensar que teve queda no número de fieis desde 2000. Os religiosos da
Universal dialogam para muito além do universo religioso. Têm uma pauta
mais conservadora, neoliberal.
Os resultados municipais de 2016 evidenciam uma mudança na
estratégia, com discurso mais moderado ou perfis mais palatáveis para o
eleitorado que não é evangélico?
Sim, eles adotaram um jogo de visibilidade e ocultação da identidade evangélica dos candidatos. Crivella não se registrou na Justiça como bispo Crivella, diferente do que fez o pastor Everaldo [candidato presidencial do PSC em 2014], que, no registro, já ativou o lugar dele na hierarquia religiosa.
Sim, eles adotaram um jogo de visibilidade e ocultação da identidade evangélica dos candidatos. Crivella não se registrou na Justiça como bispo Crivella, diferente do que fez o pastor Everaldo [candidato presidencial do PSC em 2014], que, no registro, já ativou o lugar dele na hierarquia religiosa.
Em uma candidatura majoritária, não se pode ter referência apenas em uma
base, você tem de falar para um público mais geral. E aí eles ativam
elementos que não são evidentemente religiosos, como a forte inclinação
para falar do cuidado com as pessoas, da atenção, e motivação da
individualidade.
Em 2011, Crivella disse que Lula ajudou a Universal a se expandir
dentro e fora do Brasil. Além disso, dirigentes do PSDB o apoiaram no
segundo turno. Em que medida políticos tradicionais facilitaram o
crescimento de quadros evangélicos no país?
Os evangélicos estão na política há muitos anos, tiveram papel importante na Constituinte e foram ganhando espaço desde então. Mas, a partir do primeiro mandato do ex-presidente Lula, os evangélicos que, de modo geral, apresentavam-se como minoria em termos percentuais e mesmo do seu lugar na agenda pública, crescem. Coincidência ou não, em 2003, a frente parlamentar evangélica passa por uma reestruturação.
Os evangélicos estão na política há muitos anos, tiveram papel importante na Constituinte e foram ganhando espaço desde então. Mas, a partir do primeiro mandato do ex-presidente Lula, os evangélicos que, de modo geral, apresentavam-se como minoria em termos percentuais e mesmo do seu lugar na agenda pública, crescem. Coincidência ou não, em 2003, a frente parlamentar evangélica passa por uma reestruturação.
Os partidos e todo candidato têm interesse em números de massa. E as
organizações religiosas são em estatística de associativismo das poucas
que continuam crescendo.
A ocupação do Executivo mira o Judiciário?
No nosso livro que será lançado, o pastor Everaldo falou claramente na estratégia de assumir a 'cabeça', falou exatamente a palavra 'cabeça', em uma referência à importância da ocupação da Presidência, que é por onde passa a indicação para o Supremo Tribunal Federal.
No nosso livro que será lançado, o pastor Everaldo falou claramente na estratégia de assumir a 'cabeça', falou exatamente a palavra 'cabeça', em uma referência à importância da ocupação da Presidência, que é por onde passa a indicação para o Supremo Tribunal Federal.
A gente acompanha o crescimento de mobilização de juízes evangélicos ou
sensíveis à causa evangélica na Associação de Juristas Evangélicos, que
se espelha na Associação de Juristas Católicos, da qual Ives Gandra
Martins é o grande representante.
Desde pelo menos 2006, o Judiciário tem sido o Poder que vinha
possibilitando a garantia de direitos de algumas minorias, direitos
esses ameaçados, digamos assim, pelo comportamento legislativo. Os
evangélicos falam de uma judicialização da política e eles estavam se
organizando para combatê-la
Crivella afirmou que a sua entrada na política foi imposta pela
Universal, a despeito de sua resistência. Como se dá a escolha de
quadros na igreja para serem lançados?
Há diferentes formas. Uma passa por escolher pastores que têm importante representação na denominação, têm carisma. Outras vezes, as escolhas são feitas por relações familiares entre a liderança religiosa e o nome proposto, como no caso do Crivella, sobrinho de Edir Macedo, fundador da Universal.
Há diferentes formas. Uma passa por escolher pastores que têm importante representação na denominação, têm carisma. Outras vezes, as escolhas são feitas por relações familiares entre a liderança religiosa e o nome proposto, como no caso do Crivella, sobrinho de Edir Macedo, fundador da Universal.
Mangabeira Unger apontou benefícios na ascensão de evangélicos por sua 'bênção à prosperidade'. A senhora concorda?
Discordo, porque não entendo que haja necessariamente relação entre a teologia da prosperidade e o desenvolvimento da nação, como se a cultura católica fosse responsável por subdesenvolvimento e o neopentecostalismo, por desenvolvimento econômico. Aí tem uma diferença.
Discordo, porque não entendo que haja necessariamente relação entre a teologia da prosperidade e o desenvolvimento da nação, como se a cultura católica fosse responsável por subdesenvolvimento e o neopentecostalismo, por desenvolvimento econômico. Aí tem uma diferença.
A bandeira de Benjamin Franklin e do calvinismo, que forma a base do
discurso do comportamento americano, é muito diferente da teologia da
prosperidade, que tem a ver com consumo e ostentação, com
individualidade, e não com produção, contenção, disciplina do trabalho e
coletividade. Isso é preocupante, não a ascensão dos evangélicos de
modo geral.
O PRB em São Paulo lançou o deputado Celso Russomanno à prefeitura,
que é católico e tentou se dissociar da religião. Qual é o espaço para o
laicismo no partido?
O partido tem um projeto de poder maior que não se sustenta só em torno da religião. Então, a legenda escolhe candidatos com carisma, ampla visibilidade na sociedade, para angariar votos.
O partido tem um projeto de poder maior que não se sustenta só em torno da religião. Então, a legenda escolhe candidatos com carisma, ampla visibilidade na sociedade, para angariar votos.
As igrejas aumentam a sua influência inclusive entre o crime
organizado, e políticos ligados a milícias declararam apoio a Crivella.
Até onde vão as concessões de evangélicos nas negociações políticas?
Tem de ter pragmatismo, porque o universo politico demanda aliança, negociação com diferentes segmentos. E aí não dá para ser uma coisa só intrarreligiosa.
Tem de ter pragmatismo, porque o universo politico demanda aliança, negociação com diferentes segmentos. E aí não dá para ser uma coisa só intrarreligiosa.
Mesmo esses religiosos no Congresso Nacional não representam todos os
evangélicos no Brasil em todas as pautas. Na questão do aborto e LGBT,
sim, há correspondência. Mas na pauta da arma e da pena de morte, há
enorme descompasso, segundo o Datafolha. Os religiosos no Congresso são
mais conservadores. Eles têm interesses para muito além do universo
religioso, propriamente, passam por interesses pessoais e partidários.
Os evangélicos no Brasil são, em geral, contra a pena de morte, contra a
ampliação do armamento e contra o Estado liberal, defendem o Estado
protetor. Enquanto a maior parte dos políticos religiosos no Congresso é
a favor do liberalismo. Tem um descompasso aí.
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