J.P: Por que uma mulher à vontade com sua própria sexualidade incomoda tanto?
Monique Prada: Nós somos criadas para a subserviência e submissão. O papel que está reservado para as mulheres é de cuidadoras, e são tidas como frágeis e dependentes, mesmo que assumam a maior parte do trabalho e da responsabilidade. Quando uma mulher passa a ditar o que quer, não só sobre a sua própria sexualidade, mas sobre todos os aspectos da sua vida, ela se torna um risco ao equilíbrio dessa sociedade, principalmente porque seu comportamento pode influenciar outras mulheres. Mas nem todas as prostitutas estão à vontade com sua sexualidade, assim como há mulheres que não cobram por sexo que estão.
J.P: E, mesmo assim, décadas depois da revolução sexual, puta e vadia ainda são xingamentos…
Monique Prada: O estigma da puta não tem tanto a ver com algumas mulheres cobrarem por sexo. Na métrica machista, “puta” é toda aquela que não se submete, seja ela presidente, mulher em cargo de chefia, prostituta ou mulher de vida sexual ativa. Mas a ofensa sempre recai sobre a sexualidade, pois é considerada a pior ofensa para todas as mulheres.
J.P: Na sociedade em que vivemos, é comum mulheres falarem tranquilamente que tal homem é um bom partido porque é rico, enquanto cobrar por sexo é tido como algo errado.
Monique Prada: Não vejo nenhuma desonestidade na mulher que procura um casamento com um homem que tenha boa posição social ou um bom salário. Nenhuma. Num mundo em que as mulheres recebem bem menos do que homens para exercer o mesmo trabalho, e no qual assumem imensas responsabilidades sobre a casa e a família depois de casadas, não há, da minha parte, nenhum estranhamento sobre isso. Da mesma forma que não há desonestidade em cobrar por sexo (ainda que sejamos, nós, prostitutas, o tempo todo tratadas como desonestas), tampouco há necessariamente qualquer tipo de desonestidade em outras relações que envolvam de algum modo troca ou acordo que extrapole o romantismo.
J.P: É como se ainda estivéssemos reféns dos mesmos ideais românticos de outrora…
Monique Prada: A ideia que nos é imposta como sendo o “amor” é algo que tem sido usado há séculos para tomar trabalhos das mulheres, para garantir que as mulheres forneçam o trabalho de cuidados, o trabalho sexual, o trabalho reprodutivo e o trabalho doméstico sem nada cobrar por isso. Desse modo, que essa mulher escolha para se casar um homem que ao menos possa sustentar a família, que será gerada a partir desse relacionamento, me parece algo bastante aceitável. Que, no futuro, cada mulher possa fazer as suas próprias escolhas, sem temer o julgamento de outras por isso.
J.P: A ideia de que uma mulher queira ser prostituta por livre e espontânea vontade, ou que goste do seu ofício, é impensável para a maioria das pessoas.
Monique Prada: A questão sobre o trabalho sexual é bastante exótica. Não se exige, em nenhuma outra atividade, o amor pela profissão para legitimar a escolha por ela. Apenas na prostituição vamos ver esse discurso, e isso é bastante emblemático: a felicidade no trabalho não pode ser parâmetro para que se mereça ou não direitos trabalhistas. Basicamente, a prostituição é um lugar onde o senso comum diz que nenhuma mulher deve querer estar – e ainda assim, milhões de mulheres a tem exercido através dos séculos. Talvez este esteja longe de ser o pior lugar do mundo para uma mulher, mas há toda uma sociedade se esforçando para torná-lo péssimo.
J.P: E muitos se referem à prostituição como algo “degradante”, mas veem com naturalidade a empregada que limpa a privada ou os funcionários que têm chefes abusivos.
Monique Prada: Deveríamos fazer esse questionamento a quem pensa assim… Há pessoas que nunca precisarão exercer o trabalho sexual, do mesmo modo que há pessoas que nunca precisarão limpar uma casa ou o banheiro alheio. E há uma classe de pessoas, e eu pertenço a essa classe de pessoas, para a qual trabalhar com sexo, limpar banheiros ou trocar fraldas de idosos são trabalhos possíveis, são trabalhos dignos, e os exercemos. Infelizmente, na sociedade em que vivemos, precisamos ter em mente que nem todas as pessoas terão tão amplo leque de escolhas que as permita ficar longe da precariedade ou de chefes abusivos – ainda assim, seguimos vivendo e fazendo as escolhas que estão a nosso alcance.
J.P: Vale a pena ter como plataforma de escrita e militância as redes sociais, em que normalmente é grande a exposição a tantos haters?
Monique Prada: A internet amplia o alcance de nossas vozes e ajuda na articulação dos movimentos sociais. Assim, consigo me comunicar com prostitutas atuantes no Norte, Nordeste ou mesmo em outros países. Sem a ajuda dessas plataformas seria difícil, caro e pouco ágil. Obviamente, isso atrai haters de todo o tipo, e é importante aprender a lidar com essas pessoas e reações – em especial no momento conturbado em que vivemos, de intensa disputa política pelos espaços e opiniões.
Monique Prada: Nós somos criadas para a subserviência e submissão. O papel que está reservado para as mulheres é de cuidadoras, e são tidas como frágeis e dependentes, mesmo que assumam a maior parte do trabalho e da responsabilidade. Quando uma mulher passa a ditar o que quer, não só sobre a sua própria sexualidade, mas sobre todos os aspectos da sua vida, ela se torna um risco ao equilíbrio dessa sociedade, principalmente porque seu comportamento pode influenciar outras mulheres. Mas nem todas as prostitutas estão à vontade com sua sexualidade, assim como há mulheres que não cobram por sexo que estão.
J.P: E, mesmo assim, décadas depois da revolução sexual, puta e vadia ainda são xingamentos…
Monique Prada: O estigma da puta não tem tanto a ver com algumas mulheres cobrarem por sexo. Na métrica machista, “puta” é toda aquela que não se submete, seja ela presidente, mulher em cargo de chefia, prostituta ou mulher de vida sexual ativa. Mas a ofensa sempre recai sobre a sexualidade, pois é considerada a pior ofensa para todas as mulheres.
J.P: Na sociedade em que vivemos, é comum mulheres falarem tranquilamente que tal homem é um bom partido porque é rico, enquanto cobrar por sexo é tido como algo errado.
Monique Prada: Não vejo nenhuma desonestidade na mulher que procura um casamento com um homem que tenha boa posição social ou um bom salário. Nenhuma. Num mundo em que as mulheres recebem bem menos do que homens para exercer o mesmo trabalho, e no qual assumem imensas responsabilidades sobre a casa e a família depois de casadas, não há, da minha parte, nenhum estranhamento sobre isso. Da mesma forma que não há desonestidade em cobrar por sexo (ainda que sejamos, nós, prostitutas, o tempo todo tratadas como desonestas), tampouco há necessariamente qualquer tipo de desonestidade em outras relações que envolvam de algum modo troca ou acordo que extrapole o romantismo.
J.P: É como se ainda estivéssemos reféns dos mesmos ideais românticos de outrora…
Monique Prada: A ideia que nos é imposta como sendo o “amor” é algo que tem sido usado há séculos para tomar trabalhos das mulheres, para garantir que as mulheres forneçam o trabalho de cuidados, o trabalho sexual, o trabalho reprodutivo e o trabalho doméstico sem nada cobrar por isso. Desse modo, que essa mulher escolha para se casar um homem que ao menos possa sustentar a família, que será gerada a partir desse relacionamento, me parece algo bastante aceitável. Que, no futuro, cada mulher possa fazer as suas próprias escolhas, sem temer o julgamento de outras por isso.
J.P: A ideia de que uma mulher queira ser prostituta por livre e espontânea vontade, ou que goste do seu ofício, é impensável para a maioria das pessoas.
Monique Prada: A questão sobre o trabalho sexual é bastante exótica. Não se exige, em nenhuma outra atividade, o amor pela profissão para legitimar a escolha por ela. Apenas na prostituição vamos ver esse discurso, e isso é bastante emblemático: a felicidade no trabalho não pode ser parâmetro para que se mereça ou não direitos trabalhistas. Basicamente, a prostituição é um lugar onde o senso comum diz que nenhuma mulher deve querer estar – e ainda assim, milhões de mulheres a tem exercido através dos séculos. Talvez este esteja longe de ser o pior lugar do mundo para uma mulher, mas há toda uma sociedade se esforçando para torná-lo péssimo.
J.P: E muitos se referem à prostituição como algo “degradante”, mas veem com naturalidade a empregada que limpa a privada ou os funcionários que têm chefes abusivos.
Monique Prada: Deveríamos fazer esse questionamento a quem pensa assim… Há pessoas que nunca precisarão exercer o trabalho sexual, do mesmo modo que há pessoas que nunca precisarão limpar uma casa ou o banheiro alheio. E há uma classe de pessoas, e eu pertenço a essa classe de pessoas, para a qual trabalhar com sexo, limpar banheiros ou trocar fraldas de idosos são trabalhos possíveis, são trabalhos dignos, e os exercemos. Infelizmente, na sociedade em que vivemos, precisamos ter em mente que nem todas as pessoas terão tão amplo leque de escolhas que as permita ficar longe da precariedade ou de chefes abusivos – ainda assim, seguimos vivendo e fazendo as escolhas que estão a nosso alcance.
J.P: Vale a pena ter como plataforma de escrita e militância as redes sociais, em que normalmente é grande a exposição a tantos haters?
Monique Prada: A internet amplia o alcance de nossas vozes e ajuda na articulação dos movimentos sociais. Assim, consigo me comunicar com prostitutas atuantes no Norte, Nordeste ou mesmo em outros países. Sem a ajuda dessas plataformas seria difícil, caro e pouco ágil. Obviamente, isso atrai haters de todo o tipo, e é importante aprender a lidar com essas pessoas e reações – em especial no momento conturbado em que vivemos, de intensa disputa política pelos espaços e opiniões.
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