sábado, 10 de junho de 2017

TSE, UM TRIBUNAL DE FICÇÃO ELEITORAL.

Com o veredicto de 4x3 que bem espelha o racha de opiniões, o Tribunal Superior Eleitoral, ao cabo de três dias de julgamento, legitimou a safadeza e dilapidou o tesouro que a Justiça Eleitoral acumulou nos 77 anos de sua existência: a sua decantada imparcialidade e confiança.

Ao ser criada a Justiça Eleitoral em 1930, no bojo de uma Revolução e em contraposição às eleições "a bico de pena" permeadas por todo tipo de fraude perpetradas pelos poderes Executivo e Legislativo na República Velha - acreditou-se que o Poder Judiciário (por não ter cargos em disputa pelo voto popular) seria o único capaz de presidir, com isenção, segurança e credibilidade, as eleições próprias de um regime democrático.

A missão cometida então com exclusividade à Justiça Eleitoral recém instituída foi clara: organizar e realizar as disputas eleitorais, garantir a igualdade de oportunidades dos candidatos, proteger a lisura do pleito e testemunhar, com a força da sua fé pública, a legitimidade dos mandatos dos eleitos.

O Corregedor-Geral do TSE e ministro do STJ Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, 60 anos, paraibano de Catolé do Rocha, neto de desembargador, relator dos quatro processos contra a chapa "vencedora" nas eleições presidenciais de 2014, lutou bravamente, porém em vão, para fazer valer a lei e o "leitmotiv" original da Justiça Eleitoral. Foi uma autêntica luta do Santo Guerreiro contra os Dragões da Maldade.

Desde o início da sessão de abertura do julgamento da ação de abuso do poder político e do poder econômico contra a chapa Dilma/Temer na eleição de 2014, ficou evidente que o jogo era de cartas marcadas e que a maioria simples do colegiado tiraria do forno uma pizza de quatro fedores: a igualdade aniquilada, a lisura enxovalhada, a ilegitimidade absoluta dos eleitos e a tirania vestida de toga.

Tudo com algumas pitadas de ironias e encheções de saco contra o relator, a todo instante interrompido, sem qualquer parcimônia, pela força-tarefa do atraso, enquanto lia o seu detalhado relatório e proferia o seu hiper fundamentado voto pela cassação da chapa "alimentada" há anos pelo dinheiro da Petrobras (dinheiro do povo brasileiro) via departamento de subornos da Odebrecht, mediante a propina contemporânea à eleição ou mediante propina futura, que o relator definiu como "propina-gordura", já reservada com antecipação para desequilibrar as eleições no porvir - uma e outras claramente fraudadas pelo abuso do poder econômico que faz gato e sapato do poder político no Brasil.

Nos três dias do julgamento, Herman Benjamin deu um show de bola como relator. Técnico esmerado, expositor pedagógico e detalhista como professor universitário com décadas de docência que é, não deixou pedra sobre pedra, não deixou passar em branco uma vírgula sequer. Um dos quatro Dragões da Maldade quis lancetar o relator: "Não adianta tentar constranger seus colegas". Benjamim retrucou com a precisão de um corte cirúrgico: "Não preciso constranger ninguém, porque nossos votos são suficientes para nos constranger".

Ético e educado, porém rápido no raciocínio, respondeu com gols de placa as muitas tentativas de deboche desestabilizador da bancada dilma-temerista defensora da "bola" e do "pixuleco". Com Luiz Fux, oriundo do STF, o doutor Herman formou uma dupla de fazer recordar os áureos tempos do Santos Futebol Clube, quando Pelé e Coutinho "tocavam de ouvido".

No Mensalão, o ex-ministro Joaquim Barbosa exasperava-se ao jogar na cara do ministro Lewandowisk a pecha de chicaneiro para livrar os mensaleiros. Muito mais sereno que o Joaquim, Benjamin levou o imodesto e homofóbico presidente do TSE às cordas do octógono em várias momentos, abanando-lhe, com a elegância recomendada pelos rituais das Côrtes, as mendazes contradições de seus votos atuais e pretéritos: em 2015, quando o foco era mandar a Dilma para o quinto dos infernos, e, em 2017, um impeachment e a ascensão de Temer depois, quando o intento deliberado foi preservar, a qualquer custo, em nome de uma fictícia "estabilidade", o mandato, a estas alturas claramente ilegítimo, do vice que virou titular, muito embora Temer não passe de uma Dilma mais empoada, que nomeou, há pouco tempo, aliás, dois advogados da banca amiga para o TSE, escolhidos decerto a dedo para secundar os votos birutas do presidente.

Foi um julgamento histórico, sem dúvida. Porém às avessas. A finalidade precípua de todo processo judicial é a busca da "verdade real", pela qual se bateu com denodo o relator. A apertada maioria comportou-se como um quarteto de Alices no País das Maravilhas, abortando o feito nas sibilinas "preliminares" e desprezando ostensivamente, melhor, dizendo, cinicamente, sabe-se lá porquê ou por quanto, o óbvio ululante que todo mundo está cansado de saber e que não desaparecerá do mundo dos fatos só porque os 4 Dragões decidiram fritar, com as labaredas expelidas por suas narinas anosmáticas, o cheiro da verdade nua e crua que, com a sua simplicidade, registrou na fria e acre realidade do processo digital a complexidade da fraude que o futuro e a História jamais esquecerão.

A certa altura, depois de tanto o interromper, o Dragão presidente tentou passar gelol dirigindo-se ao relator: "Minha preocupação não é a cassação de mandatos, mas conhecer de fato como as campanhas são feitas. Me parece que não há subsidio melhor para a reflexão sobre a necessidade de uma reforma política do que um estudo como esse que Vossa Excelência fez.” Benjamin ressoou didático, refugando o fingido salamaleque: "Eu agradeço, mas tenho que confessar que não fiz estudo. Fiz um voto. Sei que nas nossas decisões há sempre um valor educativo. Mas para mim, no Estado de Direito, o valor mais educativo é a aplicação da lei, inclusive com as suas consequências.”

Os sócios majoritários do Tribunal sacrificaram sem piedade, com os seus votos sorumbáticos, os motivos pelos quais o próprio fora criado há quase oito décadas e ainda alteraram radicalmente a sua razão social: agora o TSE não é mais o Tribunal Superior Eleitoral, chama-se Tribunal de Ficção Eleitoral, um embuste legitimador da abundância "oceânica" do dinheiro sujo que irrigou e irriga as campanhas eleitorais, e adotou, em consequência, um novo e sugestivo nome de fantasia - "Lavanderia Nossa Elite", mais consentâneo, é verdade, com o Brasil das propinas, do caixa 2 e das negociatas em que vivemos.

No fim, de uma forma ou de outra, todos cumpriram o seu papel. Uns, dignamente. Outros, com incrível indignidade. Ao término do seu voto, aludindo à exdrúxula exclusão dos depoimentos de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros da chapa impugnada (mandados colher pelo próprio Tribunal, mas determinada a exclusão pelos Dragões da Maldade), o Santo Guerreiro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin proferiu a sentença que imortalizará este julgamento e servirá de epitáfio àquele que em vida se chamou Tribunal Superior Eleitoral: "Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório. Mas não carrego esse caixão!" Pobre democracia brasileira! Quantos crimes ainda serão cometidos em teu nome?!?

Nenhum comentário:

Postar um comentário