Por Fernão Lara Mesquita, jornalista
Morre-se sem hospital, o desemprego engata meio milhão por semestre, a quebradeira está só começando, mas tudo o que o “governo de salvação nacional” salvou foi o funcionalismo por mais quatro anos. “A condição para estabelecer um teto”, diz ele, é arrombar o teto que há. R$ 60 bilhões pros federais, R$ 50 bilhões pros estaduais, nada de contrapartidas. E ainda faltam os municipais. Como em Brasília todos os passarinhos são verdes e no Brasil quem elege é “a máquina”, não o eleitor, a dança de acasalamento é a única que se dança por lá. O País que coma bolos...
Há algo de muito torto na lente com que o Brasil se vê. As reações não combinam com as ações. É preciso empurrar o pânico que grassa aqui fora pra dentro daquele mundinho sem pressa que fabrica as crises, mas está dispensado de vivê-las. Nossa pauta política é estranhamente colonizada. Não discutimos nossos problemas, nossas urgências, nossas prioridades. Compramos as dos americanos, dos alemães, dos dinamarqueses, muito mais “modernas” e “progressistas”. Vivemos aos trambolhões, mas só falamos dos mais refinados passos de balé. Não nos decidimos nunca a bater a água e a farinha do bolo, mas temos tudo a dizer sobre as coberturas que ele poderia ter se existisse. Não temos a comida e a integridade física garantidas, mas baixamos uma lei por minuto para prevenir que quem venha a sobreviver a este nosso olímpico descaso para com o principal incorra no risco de pensar ou sentir “incorretamente”. O massacre é amplo, geral e irrestrito, maior que o de todas as sírias, mas “indignação” mesmo só com os pedacinhos dele que alimentem considerações “modernas” sobre a raça ou o gênero das minorias identificáveis na pilha dos 57 mil assassinados de cada ano.
Segurança pública pra valer (e mobilidade, transporte, acesso e o mais...) só quando inglês vier. Depois, de volta ao dilúvio...
Nós copiamos o “jeitão” das democracias e trabalhamos feito loucos pelo aplauso de quem a pratica. Mas pra brasileiro mesmo, nada. A Constituição americana, com 227 anos de idade, tem 7 artigos e 27 emendas. A nossa última, com 28, nasceu com 250 artigos e já tem mais de 80 emendas. A deles define os sete pilares da democracia, quantos bastam para o povo mandar nos seus governantes e não mais se deixar roubar. A nossa também os inclui, mas soterrados em 330 exceções que garantem que fique afastado das “excelências” o cálice da submissão à lei.
A função da Corte Suprema deles é garantir as 7 regras, a da nossa é impor as 330 exceções. E isso faz de tudo o mais o inverso do que parece. Consagramos o “federalismo”, mas vivemos a ditadura tributária centralizadora do Executivo. Instituímos “Poderes independentes”, mas, com tudo e mais alguma coisa transformado em “norma constitucional”, base por definição de qualquer pretensão exigível nos tribunais, o Judiciário e, no fim, o Supremo, tudo pode decidir ou “desdecidir”. Tudo acaba sempre nos 11 e dos 11 bastam 6...
“As instituições estão funcionando”?
Sim! Desgraçadamente! Enquanto forem as que são, “abandonai toda a esperança, ó vós que estais dentro”. É claro que fora do rito institucional é a selva e é dentro dele que temos de desmanchar essa confusão fabricada. Essa história de que é inconstitucional desconstitucionalizar o que quer que tenha sido constitucionalizado um dia é um truque barato. Até burro dá marcha à ré para não despencar no abismo. Para além do rito tudo tem de ser refeito. E o caminho para isso, testado e aprovado, existe.
A raiz do câncer é a “representação” subornada imposta à sociedade. Desde Getúlio come solta a metástase sindical. Desde 88 come também a partidária. Continuam “deles” as estatais, estoque de feudos a serem distribuídos aos barões que sustentarão o rei da vez. É isso que garante que tudo apodreça antes de amadurecer. Não há quem não saiba, não há quem não veja. Mas é proibido dizer. Vamos em frente esmurrando a faca, “proibindo” no papel que se produzam na vida real as consequências obrigatórias das causas que nos recusamos a remover.
Não dá mais. Batemos no osso. Agora é física a impossibilidade de levar a vida “arrecadando”. A alternativa para o certo é o errado. Não há meias medidas. Ou mudamos pra valer, na raiz, ou nos arrebentamos todos. A corrupção não é “causa” de nada. É só a pior consequência da falta de democracia. Puni-la, apenas, não resolve coisa alguma. O que a nossa situação extrema requer é uma dose cavalar de democracia.
O Brasil não é imune à democracia. Apenas não tem ideia do que ela é. Desenhar instituições – democráticas ou antidemocráticas – é encadear dependências. É isso que determina o jogo. O nosso é mais explícito a cada ato. Na ordem institucional, como na vida, manda quem tem o poder de demitir. Você está sendo demitido, mesmo fazendo tudo certo, porque “eles” não podem ser demitidos mesmo fazendo tudo errado. Nem quando a República sucedeu ao Império, nem nas idas e voltas das ditaduras, jamais mudou a nossa maneira antidemocrática de encadear dependências.
Descartem-se os bandidos para efeito de raciocínio. Democracia é o povo no poder, nem mais nem menos. Mas nem os nossos “liberais” nem os nossos “desenvolvimentistas” mais bem-intencionados contemplam a sério a ideia de pôr o povo no poder e submeter-se à vontade dele. Criticam-se mutuamente as “intenções”, mas só reivindicam uns o lugar dos outros no controle das mesmas alavancas.
É isso que tem de mudar. Revoluções só acontecem de baixo para cima e, no limite em que estamos, nós vamos ter uma logo, controlada ou não. O “recall” é a chave comutadora. Dá ao povo o poder de demitir e reformar Estado adentro e o voto distrital permite que essa revolução aconteça com segurança e sem dor. Plantadas nos municípios essas sementes da saúde já invertem irreversivelmente a cadeia das dependências e, com ela, a das lealdades. Daí em diante o desmonte da doença acontece sozinho, pedaço por pedaço.
Morre-se sem hospital, o desemprego engata meio milhão por semestre, a quebradeira está só começando, mas tudo o que o “governo de salvação nacional” salvou foi o funcionalismo por mais quatro anos. “A condição para estabelecer um teto”, diz ele, é arrombar o teto que há. R$ 60 bilhões pros federais, R$ 50 bilhões pros estaduais, nada de contrapartidas. E ainda faltam os municipais. Como em Brasília todos os passarinhos são verdes e no Brasil quem elege é “a máquina”, não o eleitor, a dança de acasalamento é a única que se dança por lá. O País que coma bolos...
Há algo de muito torto na lente com que o Brasil se vê. As reações não combinam com as ações. É preciso empurrar o pânico que grassa aqui fora pra dentro daquele mundinho sem pressa que fabrica as crises, mas está dispensado de vivê-las. Nossa pauta política é estranhamente colonizada. Não discutimos nossos problemas, nossas urgências, nossas prioridades. Compramos as dos americanos, dos alemães, dos dinamarqueses, muito mais “modernas” e “progressistas”. Vivemos aos trambolhões, mas só falamos dos mais refinados passos de balé. Não nos decidimos nunca a bater a água e a farinha do bolo, mas temos tudo a dizer sobre as coberturas que ele poderia ter se existisse. Não temos a comida e a integridade física garantidas, mas baixamos uma lei por minuto para prevenir que quem venha a sobreviver a este nosso olímpico descaso para com o principal incorra no risco de pensar ou sentir “incorretamente”. O massacre é amplo, geral e irrestrito, maior que o de todas as sírias, mas “indignação” mesmo só com os pedacinhos dele que alimentem considerações “modernas” sobre a raça ou o gênero das minorias identificáveis na pilha dos 57 mil assassinados de cada ano.
Segurança pública pra valer (e mobilidade, transporte, acesso e o mais...) só quando inglês vier. Depois, de volta ao dilúvio...
Nós copiamos o “jeitão” das democracias e trabalhamos feito loucos pelo aplauso de quem a pratica. Mas pra brasileiro mesmo, nada. A Constituição americana, com 227 anos de idade, tem 7 artigos e 27 emendas. A nossa última, com 28, nasceu com 250 artigos e já tem mais de 80 emendas. A deles define os sete pilares da democracia, quantos bastam para o povo mandar nos seus governantes e não mais se deixar roubar. A nossa também os inclui, mas soterrados em 330 exceções que garantem que fique afastado das “excelências” o cálice da submissão à lei.
A função da Corte Suprema deles é garantir as 7 regras, a da nossa é impor as 330 exceções. E isso faz de tudo o mais o inverso do que parece. Consagramos o “federalismo”, mas vivemos a ditadura tributária centralizadora do Executivo. Instituímos “Poderes independentes”, mas, com tudo e mais alguma coisa transformado em “norma constitucional”, base por definição de qualquer pretensão exigível nos tribunais, o Judiciário e, no fim, o Supremo, tudo pode decidir ou “desdecidir”. Tudo acaba sempre nos 11 e dos 11 bastam 6...
“As instituições estão funcionando”?
Sim! Desgraçadamente! Enquanto forem as que são, “abandonai toda a esperança, ó vós que estais dentro”. É claro que fora do rito institucional é a selva e é dentro dele que temos de desmanchar essa confusão fabricada. Essa história de que é inconstitucional desconstitucionalizar o que quer que tenha sido constitucionalizado um dia é um truque barato. Até burro dá marcha à ré para não despencar no abismo. Para além do rito tudo tem de ser refeito. E o caminho para isso, testado e aprovado, existe.
A raiz do câncer é a “representação” subornada imposta à sociedade. Desde Getúlio come solta a metástase sindical. Desde 88 come também a partidária. Continuam “deles” as estatais, estoque de feudos a serem distribuídos aos barões que sustentarão o rei da vez. É isso que garante que tudo apodreça antes de amadurecer. Não há quem não saiba, não há quem não veja. Mas é proibido dizer. Vamos em frente esmurrando a faca, “proibindo” no papel que se produzam na vida real as consequências obrigatórias das causas que nos recusamos a remover.
Não dá mais. Batemos no osso. Agora é física a impossibilidade de levar a vida “arrecadando”. A alternativa para o certo é o errado. Não há meias medidas. Ou mudamos pra valer, na raiz, ou nos arrebentamos todos. A corrupção não é “causa” de nada. É só a pior consequência da falta de democracia. Puni-la, apenas, não resolve coisa alguma. O que a nossa situação extrema requer é uma dose cavalar de democracia.
O Brasil não é imune à democracia. Apenas não tem ideia do que ela é. Desenhar instituições – democráticas ou antidemocráticas – é encadear dependências. É isso que determina o jogo. O nosso é mais explícito a cada ato. Na ordem institucional, como na vida, manda quem tem o poder de demitir. Você está sendo demitido, mesmo fazendo tudo certo, porque “eles” não podem ser demitidos mesmo fazendo tudo errado. Nem quando a República sucedeu ao Império, nem nas idas e voltas das ditaduras, jamais mudou a nossa maneira antidemocrática de encadear dependências.
Descartem-se os bandidos para efeito de raciocínio. Democracia é o povo no poder, nem mais nem menos. Mas nem os nossos “liberais” nem os nossos “desenvolvimentistas” mais bem-intencionados contemplam a sério a ideia de pôr o povo no poder e submeter-se à vontade dele. Criticam-se mutuamente as “intenções”, mas só reivindicam uns o lugar dos outros no controle das mesmas alavancas.
É isso que tem de mudar. Revoluções só acontecem de baixo para cima e, no limite em que estamos, nós vamos ter uma logo, controlada ou não. O “recall” é a chave comutadora. Dá ao povo o poder de demitir e reformar Estado adentro e o voto distrital permite que essa revolução aconteça com segurança e sem dor. Plantadas nos municípios essas sementes da saúde já invertem irreversivelmente a cadeia das dependências e, com ela, a das lealdades. Daí em diante o desmonte da doença acontece sozinho, pedaço por pedaço.
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