Por Demétrio Magnoli - Folha de SP
Presidenta Dilma Rousseff, lembro-me, como todos, de sua promessa de abril: "Se eu perder, estou fora do baralho". A derrota, sabemos, já aconteceu; o Senado apenas a oficializará. Torço para que, "fora do baralho", examine as causas de sua queda.
Não culpe os outros ("golpe das elites") ou as circunstâncias ("crise internacional"). Investigue seus erros, sobretudo um, que interessa ao futuro da convivência democrática no Brasil. Refiro-me ao sectarismo. Mais que às "pedaladas fiscais" ou ao escândalo na Petrobras, sua derrota final deve-se ao sectarismo.
O sectário, no sentido que aqui interessa, é o militante convicto, intolerante, de uma doutrina faccional. No fracasso de sua política econômica encontram-se as raízes do impeachment. Não lhe faltaram alertas: diversos economistas sérios avisaram que o voluntarismo estatal conduziria à inflação, ao déficit, à dívida, à erosão da produtividade e, finalmente, à depressão.
Sua resposta sistemática, e a dos seus, foi rotulá-los como agentes de interesses antipopulares: serviçais das altas finanças ou do imperialismo. Não teria sido apropriado enxergar aqueles economistas "liberais" como brasileiros tão bem-intencionados quanto os economistas "desenvolvimentistas" que a cercavam? Mas o sectário concentra-se nos motivos supostos, não nas ideias, dos que o criticam.
O sectário acalenta certezas fulgurantes, que acabam por cegá-lo: a divergência aparece a seus olhos como traição. Daí, num passo imperceptível, ele cruza o limite que separa o debate legítimo da difamação. Campanhas eleitorais são embates amargos, mas devem curvar-se a certas regras implícitas.
Recordo-lhe a peça publicitária de sua campanha que fazia de Marina Silva uma conspiradora associada aos "banqueiros" numa trama destinada a roubar a comida da mesa dos pobres. O castigo veio a galope, em sua peregrinação até o Bradesco para convidar Joaquim Levy a ocupar o cargo de czar econômico do governo. Sem o estelionato eleitoral, um espetáculo lancinante de desonestidade, não haveria impeachment.
"Meu partido, certo ou errado!". O sectário presta lealdade à sua seita, mesmo à custa da deslealdade com as leis e com o conjunto dos cidadãos. Sua tentativa de transferir para o STF as investigações judiciais sobre Lula, por meio da nomeação do investigado à Casa Civil, definiu seu destino. O mandato terminou ali, quando os brasileiros concluíram que, transformando o Palácio em santuário de um poderoso político às voltas com um juiz, a chefe de Estado rebaixava-se à condição de chefe de facção.
Na saga da resistência ao impeachment, difundiu-se a célebre fotografia da jovem Dilma, em novembro de 1970, perante os juízes de um tribunal militar. A estratégia de marketing, que empolgou seus fiéis, investe numa reiteração (o impeachment como reprodução da perseguição política da ditadura) e numa permanência (a Dilma do presente como extensão da Dilma do passado).
A reiteração é farsesca, pois borra a cisão entre ditadura e democracia. A permanência é verdadeira, num duplo sentido: se a coragem de antes não desapareceu, perenizou-se também a chama sectária inerente aos militantes da luta armada. No fim, a tal fotografia ilumina retrospectivamente sua presidência por um ângulo imprevisto, invisível aos olhos dos marqueteiros.
O sectário atribui significados transcendentais a seus caprichos – e, se puder, impõe obediência geral a eles. A circular que obrigava seus subordinados a usar a palavra "presidenta" jamais serviu à causa dos direitos das mulheres, mas criou uma fronteira de linguagem entre a militância petista e os demais cidadãos. Nunca a tratei assim, enquanto sua assinatura tinha o peso do poder. Hoje, faço a concessão. Presidenta Dilma, "fora do baralho", esqueça Getúlio Vargas e Jango: pense nos seus erros.
Presidenta Dilma Rousseff, lembro-me, como todos, de sua promessa de abril: "Se eu perder, estou fora do baralho". A derrota, sabemos, já aconteceu; o Senado apenas a oficializará. Torço para que, "fora do baralho", examine as causas de sua queda.
Não culpe os outros ("golpe das elites") ou as circunstâncias ("crise internacional"). Investigue seus erros, sobretudo um, que interessa ao futuro da convivência democrática no Brasil. Refiro-me ao sectarismo. Mais que às "pedaladas fiscais" ou ao escândalo na Petrobras, sua derrota final deve-se ao sectarismo.
O sectário, no sentido que aqui interessa, é o militante convicto, intolerante, de uma doutrina faccional. No fracasso de sua política econômica encontram-se as raízes do impeachment. Não lhe faltaram alertas: diversos economistas sérios avisaram que o voluntarismo estatal conduziria à inflação, ao déficit, à dívida, à erosão da produtividade e, finalmente, à depressão.
Sua resposta sistemática, e a dos seus, foi rotulá-los como agentes de interesses antipopulares: serviçais das altas finanças ou do imperialismo. Não teria sido apropriado enxergar aqueles economistas "liberais" como brasileiros tão bem-intencionados quanto os economistas "desenvolvimentistas" que a cercavam? Mas o sectário concentra-se nos motivos supostos, não nas ideias, dos que o criticam.
O sectário acalenta certezas fulgurantes, que acabam por cegá-lo: a divergência aparece a seus olhos como traição. Daí, num passo imperceptível, ele cruza o limite que separa o debate legítimo da difamação. Campanhas eleitorais são embates amargos, mas devem curvar-se a certas regras implícitas.
Recordo-lhe a peça publicitária de sua campanha que fazia de Marina Silva uma conspiradora associada aos "banqueiros" numa trama destinada a roubar a comida da mesa dos pobres. O castigo veio a galope, em sua peregrinação até o Bradesco para convidar Joaquim Levy a ocupar o cargo de czar econômico do governo. Sem o estelionato eleitoral, um espetáculo lancinante de desonestidade, não haveria impeachment.
"Meu partido, certo ou errado!". O sectário presta lealdade à sua seita, mesmo à custa da deslealdade com as leis e com o conjunto dos cidadãos. Sua tentativa de transferir para o STF as investigações judiciais sobre Lula, por meio da nomeação do investigado à Casa Civil, definiu seu destino. O mandato terminou ali, quando os brasileiros concluíram que, transformando o Palácio em santuário de um poderoso político às voltas com um juiz, a chefe de Estado rebaixava-se à condição de chefe de facção.
Na saga da resistência ao impeachment, difundiu-se a célebre fotografia da jovem Dilma, em novembro de 1970, perante os juízes de um tribunal militar. A estratégia de marketing, que empolgou seus fiéis, investe numa reiteração (o impeachment como reprodução da perseguição política da ditadura) e numa permanência (a Dilma do presente como extensão da Dilma do passado).
A reiteração é farsesca, pois borra a cisão entre ditadura e democracia. A permanência é verdadeira, num duplo sentido: se a coragem de antes não desapareceu, perenizou-se também a chama sectária inerente aos militantes da luta armada. No fim, a tal fotografia ilumina retrospectivamente sua presidência por um ângulo imprevisto, invisível aos olhos dos marqueteiros.
O sectário atribui significados transcendentais a seus caprichos – e, se puder, impõe obediência geral a eles. A circular que obrigava seus subordinados a usar a palavra "presidenta" jamais serviu à causa dos direitos das mulheres, mas criou uma fronteira de linguagem entre a militância petista e os demais cidadãos. Nunca a tratei assim, enquanto sua assinatura tinha o peso do poder. Hoje, faço a concessão. Presidenta Dilma, "fora do baralho", esqueça Getúlio Vargas e Jango: pense nos seus erros.
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