sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Pior do que está não fica

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
O que importa é manter longe da contaminação partidária uma discussão que parte de duas premissas: o prestígio ao professor e o estímulo ao aluno. Aliás, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi debatido entre 2010 e 2014 por entidades, municípios, Estados e fóruns do PT e foi aprovado pela então presidente Dilma Rousseff, que, inclusive, defendeu a flexibilização na campanha eleitoral, como comprovam vídeos na internet. Logo, a reforma não é do DEM do ministro Mendonça Filho nem do PSDB da secretária executiva Maria Helena Guimarães de Castro, como não era do PT de Dilma. É uma necessidade.

O que diz o PNE, na sua meta 3.1? Defende “currículos escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte...”. Ou seja, evoluir de currículos engessados para uma flexibilidade e diversificação que motivem professores e alunos. Em 2015, eram cerca de 13 milhões de alunos no primeiro ano do ensino médio, 1,75 milhão no segundo e 1,5 milhão no terceiro. Entre os motivos da evasão, o desencanto, a dificuldade. Imagine um jovem saído de um ensino básico precário e obrigado a estudar química e biologia, quando ele quer a área de humanas. É melhor criar condições para esse jovem traçar seu projeto de vida, inclusive no ensino profissionalizante. Ele sai com um diploma que lhe abre as portas para uma carreira e/ou a universidade.

Pelo Ideb, só 11% dos alunos têm desempenho adequado em matemática e só 27% em português, as duas disciplinas obrigatórias em currículos e na vida. “Foi tristíssimo”, diz Maria Helena, explicando que a prioridade original era mexer no ensino básico, mas, diante desse resultado, o MEC decidiu apressar a reforma do ensino médio – e por medida provisória, que também exige debate e consensos, mas tramita mais rápido, sem ficar tão a reboque de teto fiscal, reforma da Previdência...

Como sempre, o governo deu munição aos adversários ao deixar a impressão inicial de querer acabar com artes e educação física, quando se tratava de um detalhe técnico, jurídico, na redação da MP. Curiosidade: um filho de Maria Helena, Aluizio, hoje na área de marketing de um grupo de ensino, foi campeão brasileiro de triatlo e é formado em... Educação Física. Ai dela se ousasse acabar com a disciplina.

Segundo a secretária, o objetivo é “combater a fragmentação e superficialidade que fazem com que os alunos saiam do ensino médio sem saber nada de nada, porque o que a escola oferece é um picadinho, um pot-pourri de conteúdos que não se conectam entre si, não fazem sentido nem despertam o interesse do aluno”. Quem discorda?

O Cenpec, importante na área, é a favor da flexibilização curricular, mas teme que a reforma possa “acirrar as desigualdades escolares”, pois as escolhas dos jovens dependem de “sua condição social, das oportunidades que tiveram ao longo da vida”. É uma advertência válida, mas a secretária rebate: “É impossível aumentar mais a desigualdade que já existe. Não vai aumentar a desigualdade e sim as oportunidades”. O mais importante é acompanhar, compreender, prestigiar o professor e defender o estudante, para avançar. Como diria o “filósofo” Tiririca, “pior do que está não fica”. Que se debata o bom debate!

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A Lava Jato chegando lá

Editorial - Estadão
Como se estivesse sendo seguido o método da escalada hierárquica no processo de investigação e apresentação de denúncias da Operação Lava Jato e congêneres, nos últimos dias o chefão Lula da Silva tornou-se réu, pela segunda vez, e dois ex-ministros da Fazenda dos governos petistas, Guido Mantega e Antonio Palocci, tiveram prisão temporária decretada. Figuras de menor expressão política, camaradas espertos, operadores obedientes e empresários inescrupulosos, todos beneficiários do maior esquema de corrupção no governo federal de que se tem notícia no País, já estão atrás das grades. Aperta-se o cerco agora em torno dos responsáveis maiores por esse esquema que, conforme se torna cada dia mais evidente, tinha como objetivo principal financiar o projeto lulopetista de perpetuação no poder. Tudo leva a crer, diante da devastadora evidência de um conjunto probatório meticulosamente trabalhado pela polícia e pelo Ministério Público, que o Judiciário continuará condenando os larápios do dinheiro público, até esgotar o primeiro escalão dessa hierarquia de delinquentes.

O mais recente desses eventos, a prisão temporária do ex-ministro Antonio Palocci, provocou mais uma vez reações que colocam a nu as incoerências e contradições do lulopetismo e dos “progressistas” a ele atrelados, quando se trata do combate à corrupção. Como a Lava Jato se tornou símbolo da resistência à bandidagem dos maus políticos, ninguém ousa a ela se opor abertamente. Mas a cada figurão do PT que cai em suas malhas, imediatamente surgem os protestos contra o que seria uma atuação “seletiva” dos investigadores, movidos pela intenção de atingir “apenas um lado”, preservando os “outros”.

A Operação Lava Jato foi criada para investigar a prática de corrupção no governo, a partir do escândalo do petrolão, que acabou se revelando o desdobramento do mensalão, esquema que inaugurou a opção pragmática de Lula e sua tigrada de comprar apoio parlamentar para viabilizar seu projeto de poder. Nunca é demais repetir, o PT não inventou a corrupção, mas promoveu-a à condição de método de ação política. A Lava Jato, portanto, é um fenômeno da era lulopetista, e surgiu a partir do momento em que, confiantes na impunidade, PT et caterva organizaram quadrilhas para o assalto generalizado aos cofres públicos.

Assim, o PT é o “lado” que montou o propinoduto da Petrobrás e, sabe-se hoje, de praticamente todas as grandes estatais, dos fundos de pensão e até mesmo de órgãos da administração direta como o Ministério do Planejamento, onde se chegou a tungar aposentados dependentes do crédito consignado. É inevitável, portanto, que os petistas e seus associados surjam como os principais alvos do combate à corrupção. Principais, mas não únicos, porque o “outro lado” também aparece, com a frequência proporcional a seu poder para corromper e a disposição para ser corrompido, em investigações policiais.

Mas há um certo embaralhamento da questão do “nós” e “eles” que os petistas e agregados não explicam. Se é verdade que a Lava Jato é obra dos inimigos do PT, por que os petistas acusam o atual governo “golpista”, “usurpador” e “ilegítimo” de conspirar contra a operação?

A reação que manifestam mais uma vez os petistas, agora à prisão de Antonio Palocci, é perfeitamente compreensível diante do devastador efeito de mais essa ação da Lava Jato sobre a já desmoralizada imagem do PT. Palocci é um político articulado e competente que prestou relevantes serviços a seu partido, como a famosa Carta aos Brasileiros, que abriu caminho para a eleição de Lula em 2002, e teve uma atuação eficaz à frente do Ministério da Fazenda, sob Lula, e da Casa Civil, sob Dilma. Mas as abundantes evidências do tráfico de influência por ele praticado com a Odebrecht e depois com os clientes de seus serviços de consultoria revelam que seu calcanhar de aquiles é a irresistível cobiça pelo vil metal. Essa fraqueza, que não pega bem quando assola homens públicos, tem produzido efeitos devastadores quando dela trata a Lava Jato. Seja um lado ou seja outro, os delinquentes estão indo para a cadeia, purgar seus crimes.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O horário da "Voz do Brasil"

Editorial - Estadão
Graças ao precedente aberto por uma medida provisória assinada em julho pelo presidente Michel Temer, flexibilizando o horário do programa Voz do Brasil durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, com o objetivo de assegurar a transmissão de eventos esportivos, o Congresso está disposto a adotar essa medida em caráter definitivo. A mesma iniciativa também foi adotada em 2014, durante a Copa do Mundo, uma vez que, dos 64 jogos, 27 foram marcados no mesmo horário do programa.

A medida provisória editada por Temer deve caducar em 22 de novembro. Os defensores da flexibilização permanente da Voz do Brasil querem votá-la antes que perca a validade. O relator José Rocha (PR-BA) já se manifestou favorável à mudança. A ideia é que, em vez da obrigatoriedade da transmissão desse programa entre as 19 e as 20 horas, como ocorre hoje, as rádios comerciais e as emissoras educativas e vinculadas aos Poderes Legislativos municipais, estaduais e federal tenham a liberdade de levá-lo ao ar entre as 19 e as 22 horas, conforme sua conveniência.

A iniciativa – que não sofre restrições do Ministério das Comunicações, já que seus técnicos consideram desinteressante e anacrônico o boletim oficial do governo – atende antiga reivindicação da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). A entidade alega que, além de prejudicar as grandes coberturas jornalísticas, pois as rádios são obrigadas a interromper coberturas de eventos de grande repercussão para transmitir a Voz do Brasil, o boletim oficial é tão ruim que acaba derrubando a audiência durante o resto da programação noturna. Segundo a Abert, enquanto na parte da manhã o número de ouvintes sintonizados na região metropolitana de São Paulo é o dobro de pessoas com aparelho de televisão ligados, depois das 20 horas a audiência média da televisão é cinco vezes superior à dos aparelhos de rádio.

A perda de audiência causa vultosos prejuízos às emissoras comerciais, uma vez que afugenta os patrocinadores. Em média, uma inserção publicitária de 30 segundos custa até R$ 10 mil na programação matutina de uma rádio de grande porte, na Grande São Paulo. Já nos programas que vão ao ar depois da Voz do Brasil, o preço cai para R$ 300.

Programa típico de regimes fechados, a Voz do Brasil é mais uma herança da ditadura varguista. Transmitida pela primeira vez em julho de 1935, com o nome Programa Nacional, ela sempre fez proselitismo político e divulgou realizações do governo, sob o pretexto de prestar um serviço público relevante numa época em que o rádio era o único veículo de comunicação de massa e o País ainda não havia iniciado sua industrialização. Em 1939, o nome foi mudado para Hora do Brasil e, no governo Médici, durante a ditadura militar, passou a se chamar Voz do Brasil.

Ao longo das últimas oito décadas, a economia se diversificou, a sociedade se urbanizou, o Brasil ingressou no regime democrático e as comunicações passaram por várias revoluções tecnológicas, obrigando as rádios a se adequarem à concorrência não apenas das televisões, mas, também, dos blogs e twitters. Apesar disso, a Voz do Brasil manteve seu caráter compulsório, oficialista e antiquado, servindo para que senadores e deputados federais, além de funcionários do Executivo e do Judiciário, tenham seus segundos de exposição gratuita em rede nacional. É por isso que até hoje eles defendem a continuidade desse boletim oficial, sob a justificativa de que seria um “instrumento indispensável de disseminação de informações”. E, para evitar que o programa fosse extinto, por falta de utilidade, chegaram até a defender – sem sucesso – a aprovação de um projeto que o classificava como “patrimônio cultural imaterial do Brasil”.

Diante da resistência à extinção da Voz do Brasil, a flexibilização de seu horário seria um passo necessário, ainda que insuficiente, para a remoção de um dos mais antigos entulhos autoritários do Brasil.

Voto em legenda

Partidos notórios por receberem muitos votos de legenda enfrentam nesta eleição um desafio inédito: traduzir a identificação em escolhas por candidatos específicos.

É que em 2016 será aplicada pela primeira vez uma regra inserida na reforma eleitoral aprovada pelo Congresso no ano passado: além de o partido ter de superar o quociente eleitoral, seus aspirantes a vereador agora precisam ultrapassar 10% desse índice em votos nominais.

O quociente é fruto da divisão dos votos válidos em um município pelas cadeiras na Câmara. Em 2012, o resultado em São Paulo foi de 103.843 –a "nota de corte" para vereadores teria sido, portanto, de 10.384.

Caso a nova lei estivesse valendo naquele ano, o único dos 55 legisladores paulistanos a perder a vaga teria sido Toninho Vespoli (PSOL), que recebeu 8.722 votos, ainda que o partido tenha somado 117.475 votos.

Neste ano, Vespoli mudou a estratégia e, em suas palavras, "busca trabalhar mais o nome associado ao número", inclusive em sua página no Facebook. Outros candidatos do PSOL e da Rede fizeram o mesmo.

"Nas agendas de campanha, a gente aborda os eleitores e explica pra eles a mudança. A maioria não sabe", diz Vespoli. Segundo ele, em outras épocas, a propaganda traria uma personalidade conhecida. Agora, além disso, o PSOL divulga uma peça em que todos os candidatos a vereador aparecem em fila, na tentativa de personificar o voto.

A motivação oficial da mudança na lei é evitar a eleição de aspirantes com baixa representação. Caso o candidato não alcance seu mínimo, a vaga seria redistribuída a outros partidos ou coligações.

Partidos como como o PSOL e o PRB, entretanto, veem na reforma outra motivação: uma tentativa de prejudicar siglas que tradicionalmente agregam votos ideológicos.

"Quando abordo os eleitores, muitos respondem que vão escolher a legenda", diz Todd Tomorrow, candidato a vereador em São Paulo pelo PSOL.

Com bom retrospecto em 2014, quando não se elegeu deputado federal, mas superou 15 mil votos na capital, Todd, assim como Vespoli, investe em conscientizar eleitores a escolherem um nome.

O PRB também pode ser afetado pela novidade. Entre os partidos que elegeram vereadores em São Paulo em 2012, o do atual candidato à prefeitura Celso Russomanno teve 55% de votos na sigla. O PSOL, hoje com Luiza Erundina concorrendo à prefeitura, somou 35%.

Ambos foram superados nesse quesito apenas por siglas que não conseguiram eleger candidatos, como o PCB, com 82% de votos na legenda.

Segundo a coordenação da campanha de Russomanno, os candidatos a vereador, porém, não voltaram sua estratégia especificamente para os votos nominais.



LEITE DERRAMADO
No Rio de Janeiro, Jean Wyllys (PSOL) iniciou campanha para conscientizar os eleitores do partido.

O deputado federal passou a marcar em suas publicações em redes sociais os perfis, com nome e número, de cinco candidatos a vereador no Rio, como Tarcísio Motta e Marielle Franco.

Na capital fluminense, 50% dos votos no PSOL em 2012 foram para a legenda.

"Essa e outras mudanças foram ações deliberadas do Eduardo Cunha, em vingança por termos movido ação no Conselho de Ética contra ele", diz.

O deputado federal também associa as iniciativas a temores do PMDB sobre o candidato do PSOL no Rio, Marcelo Freixo: "Percebendo a possibilidade de ele se tornar prefeito, Cunha atacou. E venceu, somos minoria".

Wyllys diz que resta apelar à conscientização do eleitor. Embora lamente o que vê como omissão dos tribunais eleitorais, "que não fizeram uma campanha informando sobre essa mudança", ele entende que "o leite está derramado".

"Se a sociedade não gostaria que a lei fosse alterada, deveria ter se engajado no debate. Mas não o fez", continua, "porque estava ocupada; a pauta era o impeachment da Dilma [Rousseff]."

REPRESENTATIVIDADE
Entre partidos, candidatos e organizações, há quem considere positiva a exigência de uma nota de corte em votos nominais.

"Não acho a medida ruim. Ela evita que, em função de puxadores de votos, você tenha qualquer pessoa eleita", afirma Ricardo Young, candidato à Prefeitura de São Paulo pela Rede. "O vereador é um cargo de representatividade, é desejável que haja um mínimo", afirma.

Embora lamente a redução da relevância do voto nos partidos, a Bancada Ativista também considera legítima a restrição a candidatos "com volume pouco expressivo de votos".

O grupo aglutina nomes do PSOL e da Rede sob temas comuns, como a defesa dos direitos humanos, e reage à novidade: "Todos os nossos materiais de comunicação –site, redes sociais, eventos públicos, materiais impressos– apontam para os oito candidatos que estamos apoiando", afirmou o coletivo, em nota.

A consequente aproximação entre eleitor e candidatos, prossegue, é benéfica e pode evitar "a surpresa que muitos tiveram ao assistir a votação do impeachment e ver justificativas desconectadas de reflexão política ou jurídica". 
DISTRIBUIÇÃO DOS VOTOS EM 2012
PCB
nominais: 406
legenda: 1.911
total: 2.317 (insuficiente para eleger vereador)
% de legenda: 82,48%
PSTU
nominais: 5.228
legenda: 6.863
total: 12.091 (insuficiente para eleger vereador)
% de legenda: 56,76%
PRB
nominais: 131.758
legenda: 164.472
total: 296.230
% de legenda: 55,52%
PSOL
nominais: 76.227
legenda: 41.248
total: 117.475
% de legenda: 35,11%
PMDB
nominais: 206.986
legenda: 95.178
total: 302.164
% de legenda: 31,5%
PSDB
nominais: 715.429
legenda: 318.071
total: 1.033.500
% de legenda: 30,78%
PT
nominais: 794.600
legenda: 327.886
total: 1.122.486
% de legenda: 29,21%
 

Prioridades de Cármem Lúcia no CNJ

Na abertura da primeira sessão ordinária do Conselho Nacional de Justiça sob sua presidência, nesta terça-feira (27), a ministra Cármen Lúcia definiu três prioridades da sua gestão: racionalidade, eficiência e transparência.

“A mudança na presidência não altera as competências e as finalidades do órgão”, foram suas primeiras palavras ao colegiado. “Juntos, cumpriremos rigorosamente o nosso papel.”

Ao detalhar as três prioridades, afirmou:

– “O cidadão espera resultados. Ele nos paga para termos eficiência. Quem tem fome de justiça tem pressa.”

– “Nós devemos explicitar as razões de cada medida e do uso dos recursos.”

– “Aqui não haverá nada sem exposição ao cidadão. Tudo que for feito será de portas abertas.”

Nos dias que anteceram a primeira sessão, Cármen Lúcia esteve na sede do CNJ. Ficou com a impressão de que os conselheiros não estavam acostumados a ter um presidente no prédio nos dias em que não há sessão.

A presidente já fez reuniões individuais com alguns conselheiros. Pretende fazer reuniões específicas para avaliar o trabalho das comissões.

Vai constituir um grupo na Secretaria da Presidência para examinar todas as 258 resoluções do órgão. “Quanto mais normas tiver, mais fácil é não cumpri-las”, disse.

Ela pretende até o final deste semestre apresentar um novo conjunto de normas, definindo o que está em vigor e o que não vigora.

Antecipando que fará “mudança rápida e radical” nos trabalhos, convênios e atividades do órgão, pretende colocar nos próximos dias no site “quais são as propostas que poderemos implementar e qual o cronograma”.

Sobre os procedimentos que adotará nos julgamentos, disse que a elaboração da pauta é de sua competência.

“Tenho o hábito de eu mesma preparar as pautas, saber a quantas anda cada processo, examinar as datas, as preferências legais.”

Ela pretende divulgar as pautas de todas as sessões com um mês de antecedência. Isso deverá facilitar o deslocamento dos advogados, a elaboração dos votos e a programação das viagens –com economia na compra de passagens– dos dez conselheiros que não moram em Brasília.

Depois das saudações do vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Lamachia, o corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, que participava da primeira sessão plenária, manifestou sua expectativa em relação à nova gestão.

“Tenho a mais firme convicção de que a sua chegada é motivo de alegria, de conforto e de compromisso com a transparência. Senti, pelas conversas, que a senhora não terá dificuldade nenhuma. Vamos somar, numa relação de parceria”, disse Noronha.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Entrevista da Dra. Albertina Duarte

Entrevista publicada na Revista J.P, por Paulo Sampaio
J.P: Recentemente, o estupro coletivo de uma adolescente no Rio deixou a opinião pública estarrecida. Surgiram casos semelhantes em todo o país, sempre em classes menos favorecidas. Existe relação entre o ambiente e o evento? 
Albertina Duarte: Situações sociais trágicas podem levar a comportamentos extremos. Essas adolescentes não têm acesso à educação, à saúde, à cultura, não existe um projeto de futuro. Há um caso que não esqueço, de uma menina que engravidou na roda do funk. Ela dizia que não gostava do filho, que foi a mãe que insistiu para ela ter. A mãe é religiosa, contra o aborto, e não admite que foi estupro, sustenta que a filha quis ir ao baile.
J.P:  Com que frequência a senhora lida com casos assim?
AD: Todos os meses. Quarenta por cento dessas jovens acham que tudo bem ter relações no funk. Existem as crecheiras, que cuidam dos filhos das outras, enquanto elas vão para o baile. Lá, há uma prática que eles chamam de “táuba”. A adolescente deita e é penetrada por uma fileira de homens. Ou, então, eles deitam lado a lado e ela faz “cavalinho” um por um. Aí, há os “filhos da táuba”, frutos de um estupro de que ninguém está falando.
J.P: Ao mesmo tempo que elas acham que “tudo bem”, é complicado dizer que é consentido.
AD: Sim, porque não foi uma decisão, foi uma falta de decisão. Qual o empoderamento dado a essas adolescentes? Que acolhimento da sociedade tem uma menina que foi estuprada aos 13 anos e engravidou? Ela voltou para a escola? Ela foi mãe, continua mãe, mas não foi mulher. Até os 14 anos, por lei, qualquer relação sexual é considerada estupro presumido. No Brasil, 28 mil garotas por ano engravidam entre 10 e 14 anos; a cada 19 minutos, nasce o produto de um estupro. Então, o estupro coletivo já existe. O estupro social. Resta uma situação de vulnerabilidade.
J.P:  Incluindo as doenças sexualmente transmissíveis.
AD: Sim, e ninguém se preocupa com isso. Ainda bem que o abusador em geral é incompetente, não tem prazer na penetração, mas na submissão. Então, a relação se dá muito rapidamente e não é orgástica.
J.P:  O caso do Rio reacendeu de forma contundente uma questão muito cara às mulheres. A reação nas redes sociais foi imediata.
AD: Muitas já foram abusadas, então aquela situação desperta uma indignação interna. Eu diria que 20% das mulheres que passaram por isso não contam, mas não esquecem. Há vários tipos de estupro. Por exemplo, quando a mulher se sente “obrigada a consentir” a relação sexual com o marido.
J.P:  Na cama, há quem se porte como se não houvesse tempo a perder. Aparentemente, o timing dos relacionamentos está mais acelerado.
AD: Ninguém mais tem tempo para discutir as relações. Os espaços reservados para isso estão cada vez menores e mais profissionalizados. De repente, se eu estou com um problema, procuro a escuta de um psiquiatra, um psicólogo, um astrólogo; se quero manter a relação, vou atrás de uma terapia de casal. Geralmente, o momento em que se diz “eu não aguento mais te ouvir falando dos meus defeitos” acontece em uma situação de ruptura, quando o casal está para se separar. Eu tenho proposto que os dois tirem um dia para sair, jantar, tomar um vinho, dançar. A mulher precisa de um espaço para se sentir desejada.
J.P: Em caso de traição, existe diferença entre a maneira de pensar do homem e da mulher?
AD: Hoje eu concordo plenamente com a tese de que o homem trai para ficar no casamento, e a mulher, para sair. Ele busca um aditivo, mas preserva a relação estável que tem com a família. Então, quando ela o confronta, diz que o viu com outra, grita, joga na cara, ele nega sempre. Já a mulher costuma se envolver na relação extraconjugal e logo pergunta: “Será que eu deixo o meu casamento?”. Quando ela me fala: “Eu contei mesmo que o traí, queria ver a cara dele”, eu sempre digo para tomar cuidado com o “sincericídio”.
J.P:  A internet mudou a “qualidade” da traição?
AD: No mundo virtual, ela parece ser mais difusa. Antigamente, quando havia uma pessoa física, real, a traída ligava para ela e xingava, ameaçava, escandalizava. Na internet, as possibilidades, os códigos, os canais são infinitos. A paciente chega e diz: “Eu descobri com quem ele conversa (na net)… Mas tem as que eu não descobri!”. É como se houvesse uma constelação. Às vezes, no meio da consulta, a paciente saca o computador e diz: “Entrei no Face dele, olha aqui”. A tela do computador é muito forte, entra no cérebro, a pessoa fica transtornada.
J.P:  As reações à traição variam?
AD: Em 40 anos de profissão, nunca vi uma mulher preocupada em saber se a “outra” é inteligente ou bem-sucedida. As perguntas sempre são: “Ela é jovem?”, “Bonita?”, “Boa de cama?”.
J.P: O que é pior para o marido, que a mulher o traia com outro ou com outra?
AD: O marido que é trocado por uma mulher fica desesperado, chega a me telefonar para me perguntar se a esposa estava com problemas hormonais. Acho que ele pensa que uma taxa baixa de testosterona, ou de estrógeno, pode levar à traição.
J.P:  E quando o homem fica com outro?
AD: Costuma ser menos complicado (para a mulher). É como se ela não tivesse culpa, o problema é com ele.
J.P:  A relação que as mulheres têm com o sexo é diferente da dos homens. Muitas reclamam de pressa. Será que isso tem a ver com o número cada vez maior de relacionamentos homoafetivos entre elas?
AD: Na minha experiência, as mulheres casadas que se encontraram em uma relação lésbica afirmam que a companheira dá a elas tudo o que o homem não foi capaz; trata bem, vai buscar no trabalho, se preocupa em saber como ela está.
J.P: A escolha por mulheres, nesse caso, seria “culpa” dos homens?
AD: Basicamente, tudo o que a mulher quer é ser desejada. Quando ela sente que a outra pessoa a deseja de um jeito profundo, esse movimento é muito forte, aí entra a substituição.
J.P:  A relação da mãe com o filho costuma ser diferente da do pai. Em casais homoafetivos, a criança será criada por dois homens, ou duas mulheres. Faz falta ter um pai do sexo masculino e uma mãe do feminino?
AD: Acredito que o desejo de ser pai ou mãe, em um casal homoafetivo, tende a ser mais verdadeiro. Porque os gays e lésbicas enfrentaram tantos preconceitos, dores e riscos que esse passo de adotar uma criança já foi profundamente elaborado. Até chegar nisso, eles já se conhecem muito, discutem o assunto por todos os ângulos.  Entre héteros, fala-se de filhos como uma “consequência natural”.
J.P:  O homem é tão cobrado a ter filhos quanto a mulher?
AD: Nunca vi uma família perguntar ao rapaz por que ele não quer filhos. Aliás, se um homem vive com uma mulher, e ela não engravida, a culpa é dela. Eu costumo pedir o teste pós-coito, que poucas pessoas fazem. Serve para avaliar a vitalidade e a persistência do espermatozoide no canal vaginal. Eu gosto desse teste porque desafia o casal, valoriza a relação. Nas pesquisas que fizemos com homens, a pergunta que eles fazem sempre é: “Será que eu sou o pai?” e nunca “Será que eu serei pai?”.
J.P: De certa forma, a possibilidade de congelar os óvulos tirou dos ombros da mulher a pressão para ser mãe?
AD: A tecnologia libertou a mulher da maternidade. Na medida em que posso congelar um óvulo e usar quando tiver 47, 48 anos, eu tenho uma ferramenta incrível de independência. É claro que custa dinheiro, mas é por isso que eu defendo a autonomia financeira da mulher. Hoje, ela pode congelar óvulos e embriões. Se estiver em uma relação e quiser ter um filho, mas não naquele momento, faz a fertilização e guarda por até cinco anos.
J.P: Mas e se ela não estiver mais com o companheiro (ou ele não quiser ser o pai)?
AD: Muitos homens são pais fora do casamento, sem consultar as mulheres. Algumas vão saber desses filhos 20 anos depois.
J.P:  E se ela não tiver condição de criar o filho, e for atrás do pai?
AD: É por isso que eu recomendo maturidade ao tomar a decisão de ter um filho. Se a ideia é ter sozinha, melhor abordar o assunto em uma terapia. Ser mãe não é comprar um carro novo. Vejo mulheres que tratam a maternidade como um evento. Perguntam-se do chá de bebê, quem será o padrinho, onde fará a festa de 1 aninho. Criar filho é com 1 ano, dois, 50, algo que nos desafia sempre. Não existe ex-mãe.

O exército do 'Fora, Temer'

Por Arnaldo Jabor - Estadão
Eu também quero ser feliz. Fico com inveja dos manifestantes que berram “Fora, Temer”, orgulhosos, iluminados pela certeza de que lutam pelo bem do Brasil. Tenho inveja deles. Nada é mais cobiçado do que a chamada “boa consciência”, a sensação de estar do lado certo da história ou da justiça. Tenho inveja de famosos artistas e intelectuais que aderiram à causa do “Fora, Temer”, se bem que ainda não consegui entender o labirinto ideológico dentro de suas cabeças que desemboca nesses protestos. Fico inquieto, mas logo me tranquilizo, porque eles, pessoas especiais, têm um fino saber e se tivessem tempo (ou saco) me elucidariam sobre suas profundas razões. Esforço-me, mas ainda não alcanço essa profundidade. Acho que tenho de me rever, fazer uma autocrítica. Talvez eu seja levado por minha cruel personalidade que, como eles dizem, não deseja o progresso do País. Eu sei que, ai de mim, talvez eu não passe mesmo de um fascista neoliberal, mas também sou um ser humano. Por isso, me entendam – eu quero ser salvo, doutrinado, catequizado pelo saber histórico dos manifestantes. Peço, por favor, que me ajudem a entender suas teses, para que eu saia das trevas da ignorância. Eu sou um pobre homem alienado, mas quero me atualizar. Por isso, trago algumas perguntas para me livrar dessas dúvidas pequeno-burguesas. Por exemplo:

Me expliquem porque a palavra de ordem é “golpe, golpe”. Como assim? – pensei, na minha treva: se a Suprema Corte, o Congresso, o Ministério Publico, a PGR, a Ordem dos Advogados, a Associação dos Magistrados do Brasil levaram nove meses para cumprir o ritual constitucional e legitimaram o impeachment, por que é golpe? A turma do “Fora, Temer” deve saber. Talvez, alguém da direita tenha envenenado a mente desses juízes, congressistas, advogados e procuradores. Quem, na calada da noite, se reuniu com eles e juntos planejaram um golpe contra a Dilma? Imagino a cena, tarde da noite num bar de hotel: ministros e juízes bebem e celebram, às gargalhadas, um plano para arrasar o PT. Me expliquem esse mistério, pelo amor de Deus.

Vejo, com assombro de inocente inútil, que ignorei a estratégia bolivariana quando Dilma declarou em campanha que, na economia, estávamos bem. Frívolo que sou, achei que o Dilma estava mentindo; mas, logo lembrei que era “mentira revolucionária” para ser eleita – hoje, entendo que Dilma fez bem em encobrir um rombo de 170 bilhões de reais com dinheiro dos bancos públicos.

Quebrou-se a Petrobrás, mas já posso ouvir nossa “intelligentsia”: “os fins justificam os meios e, se a Petrobrás era do povo, seu dinheiro podia ser expropriado para o bem do povo”. Na mosca. Espantei-me com a visão de mundo que justificou a compra da refinaria de Pasadena por um preço 30 vezes maior; pagamos por uma lata velha um bilhão e meio de dólares. Mas eu, um idiota da objetividade, tenho a convicção de que vocês me revelarão a límpida verdade: Dilma sabia da venda, mas fez vista grossa em nome de nossa salvação. Afinal, o que são um bilhão de dólares diante do socialismo (ou brizolismo) triunfante que virá?

Às vezes, em minha hesitante mediocridade, temi que os 50 mil petistas empregados no governo estivessem trabalhando para o PT e não para a sociedade, mas já ouço a voz de grandes artistas explicando-me, com doce benevolência, que a sociedade não é confiável e que os petistas não eram infiltrados, mas vigilantes de sua missão no futuro.

Houve um momento em que achei, ingenuamente, que a nova matriz econômica de Dilma e Mantega era o rumo certo para a catástrofe. Ou para o brejo. Mas, sei que os sapientes comunistas dirão que esse será um brejo iluminista que acordará as mentes para a verdade. Assim, respiro aliviado. Entendi-os: “mesmo a ruína poderá ser didática”. Eles dirão, imagino, que um poder popular não podia se ater a normas econômicas neoliberais e tinha de estimular o consumo. Isso criou 12 milhões de desempregados? Sim, mas, nossos teóricos rebaterão que, mesmo quebrando o País e provocando inflação, esses 12 milhões sentiram o gostinho das geladeiras e TVs e que isso é a criação de um desejo para o socialismo. Na mosca.

Confesso também que fiquei desanimado com o atraso de todas as obras prometidas, que o PAC não andou, que não devíamos financiar portos e pontes em Venezuela, Angola e Cuba, mas eles me ensinarão que a solidariedade internacional bolivariana é fundamental para a vitória de seu projeto. Quero me penitenciar também por ter me entusiasmado com a Lava Jato, que considerei uma mutação histórica. Depois, lendo os jornais e as explicações de gente lúcida como a barbie-bolivariana Gleisi Hoffman e Lindenberg Farias, o homem que salvou Nova Iguaçú, voltei atrás e vejo que Moro e seus homens não passam de fascistas que querem impedir o avanço das forças do progresso. A Lava Jato, hoje o sei, é de direita.

Às vezes, reacionários criticam o governo Dilma por gastar muito em publicidade, porque desde o início do governo do PT foram gastos 16 bilhões de reais. Eu achava isso errado, mas sábias palavras me provarão que a população é uma grande “massa atrasada” e que há que lhes ensinar a verdade do capitalismo assassino.

Também achei pouco elegante a difusão pelo mundo da tese de que um golpe terrível tinha se passado no Brasil, achei que uma presidenta não podia espalhar uma difamação sobre o próprio país. Mas, artistas e intelectuais vão sorrir com superioridade e me ensinar (já os vejo...) que a adesão internacional é mais importante que velhas fronteiras nacionais.

Por isso, creio que estou pronto para minha reforma mental. Estou pronto para renegar minhas dúvidas pequeno-burguesas. E logo poderei fazer parte daqueles que invejo por seus rostos iluminados de certeza, por sua sabedoria acima da história e do obvio.

Assim, poderei participar desses protestos, me sentir um revolucionário e gritar, de punho erguido e fronte alta: “Fora, Temer!!”.

Os melhores restaurantes da América Latina

1. Central, Lima (Peru)
2. Maido, Lima (Peru)
3. D.O.M., São Paulo (Brasil)
4. Boragó, Santiago (Chile)
5. Pujol, Cidade do México (México)
6. Quintonil, Cidade do México (México)
7. Astrid y Gastón, Lima (Peru)
8. Maní, São Paulo (Brasil)
9. Tegui, Buenos Aires (Argentina)
10. Biko, Cidade do México (México)
11. Sud 777, Cidade do México (México)
12. La Mar, Lima (Peru)
13. El Baqueano, Buenos Aires (Argentina)
14. Gustu, La Paz (Bolívia)
15. Amaranta, Toluca (México)
16. Leo Cocina, Bogotá (Colômbia)
17. Olympe, Rio de Janeiro (Brasil)
18. Lasai, Rio de Janeiro (Brasil)
19. Pangea, Monterrey (México)
20. Ambrosia, Santiago (Chile)
21. Don Julio, Buenos Aires (Argentina)
22. 99 Restaurante, Santiago (Chile)
23. Parador La Huella, José Ignacio (Uruguai)
24. A Casa do Porco, São Paulo (Brasil)
25. Roberta Sudbrack, Rio de Janeiro (Brasil)
26. Aramburu, Buenos Aires (Argentina)
27. Osso Carnicería y Salumeria, Lima (Peru)
28. Mocotó, São Paulo (Brasil)
29. Criterión, Bogotá (Colômbia)
30. Rafael, Lima (Peru)
31. Elena, Buenos Aires (Argentina)
32. Alto, Caracas (Venezuela)
33. La Cabrera, Buenos Aires (Argentina)
34. Fiesta, Lima (Peru)
35. Chila, Buenos Aires (Argentina)
36. Maito, Cidade do Panamá (Panamá)
37. Nicos, Cidade do México (México)
38. Malabar, Lima (Peru)
39. Corazon de Tierra,, Baja California (México)
40. Harry Sasson, Bogotá
41. Isolina, Lima (Peru)
42. 1884, Mendoza (Argentina)
43. Osaka, Santigo (Chile)
44. Remanso do Bosque, Belém (Brasil)
45. Tuju, São Paulo (Brasil)
46. La Bourgogne, Punta del Leste (Uruguai)
47. Tierra Colorada, Assunção (Paraguai)
48. Dulce Patria, Cidade do México (México)
49. Andres Carne de Res, Bogotá (Colômbia)
50. Pura Tierra, Bueno Aires (Argentina)

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Diversidade e desunião

Editorial - Estadão
O PMDB, todo mundo sabe, não é exatamente um partido político orgânico, com uma linha programática claramente definida, mas uma federação de interesses políticos frequentemente conflitantes que só se unem para a conquista ou a manutenção do poder. Pois agora o PMDB é o poder, ele próprio. Deixou de ser coadjuvante. Mas continua sendo a tal federação, na qual cada um fala por si mesmo, e isso não tem ajudado o presidente da República, o peemedebista Michel Temer, a perseguir com tranquilidade e segurança o objetivo de tirar o País da crise a que o lulopetismo o relegou. Agora mais do que nunca poderosos, os ministros de Estado – talvez invejosos da relativa autonomia que por razões óbvias foi conferida à área econômica conduzida pelo ministro Henrique Meirelles – têm-se deixado levar, no mínimo, pela tentação de virar notícia e acabam produzindo nada além de um enorme ruído de comunicação que tem colocado Michel Temer em frequentes saias-justas e disseminado a impressão de que seu governo é uma nau sem rumo.

A semana passada foi pródiga em maus exemplos dessa polifonia verbal. Com Temer em Nova York para a Assembleia-Geral da ONU, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, sentiu-se à vontade para discorrer sobre sua convicção de que caixa 2 não é crime e por essa razão quem o pratica não pode ser punido. Foi repreendido a distância pelo chefe, que considerou aquela manifestação “surpreendente” e produto de opinião “personalíssima” do ministro.

O grave na manifestação de Vieira Lima não é apenas o fato de tê-la feito à revelia do presidente, mas a evidência de que representa fielmente a opinião da maior parte da federação peemedebista. Aliás, é exatamente por saber disso que o ministro se sentiu à vontade para manifestar essa opinião e reiterá-la, com ironia e jogo de palavras, na réplica ao puxão de orelhas que sofreu: “Se o Ministério Público manda para a Câmara uma proposta de criminalização de caixa 2, vai se criminalizar o que já é crime? Ou não é crime e precisa se criminalizar? Se não é crime e precisa criminalizar, quem fez no passado não cometeu crime. Se já é crime e vai se punir quem fez no passado, não precisa criminalizar”. Poderia ter dito apenas que caixa 2 é “uma bobagem”.

Os aliados também se sentem no direito de colocar as manguinhas de fora. Dois outros ministros, o petebista Ricardo Barros, da Saúde, e o pepista Ronaldo Nogueira, do Trabalho, botaram mais cravos na coroa de espinhos de Michel Temer. Barros, campeão de bolas fora, aumentou o repertório com a declaração de que não tem certeza de que a PEC do teto para os gastos públicos – proposta considerada vital pelo governo – será aprovada no Congresso. Com ministro assim, para que a oposição?

Por sua vez, Ronaldo Nogueira, homem do PP que comanda o Ministério do Trabalho, declarou acreditar que a reforma trabalhista – outro item prioritário – será adiada para o segundo semestre de 2017. O presidente em exercício, Rodrigo Maia, reagiu imediatamente: “Às vezes, é melhor falar pouco e produzir mais”.

É claro que os maus exemplos de autossuficiência dados pelos próprios peemedebistas estimulam os aliados que compõem o Ministério a multiplicar esses ruídos de comunicação prejudiciais não apenas à imagem do presidente e sua equipe, mas também ao difícil trabalho político de convencimento que precisa ser realizado no Congresso Nacional.

Temer está aparentemente preocupado com a questão da Comunicação, tanto que cogitou contar com a assessoria de um grupo de especialistas no assunto. Mas fê-lo desajeitadamente, com grande publicidade promovida por um de seus autointitulados assessores íntimos. A conversa terminou com a recusa pública de um suposto candidato ao posto de porta-voz, mostrando todo esse episódio que a inabilidade política daquela turma só é superada pela vontade de aparecer.

Resta de positivo, ainda, a autoridade presidencial. Temer, político talvez disposto demais à conciliação, tem dito que prefere sempre ouvir antes de decidir. Isso é bom. Mas a unidade do governo em torno de suas decisões precisa ser preservada acima da diversidade de opiniões e interesses que abriga. Não cabe no Ministério, portanto, quem acha que pode usar o cargo que ocupada para defender opiniões “personalíssimas”.

domingo, 25 de setembro de 2016

De dentro e de fora

Editorial - Folha de SP
A Lava Jato nunca viveu sob tanto risco quanto agora. Sofre ameaças externas, como seria de esperar, mas também internas, o que provoca consternação e surpresa.

No campo da política, a manobra vergonhosa quase levada a cabo na segunda-feira (19) atesta quão longe os congressistas se dispõem a ir no intuito de esterilizar as investigações. Por muito pouco não terminou aprovado um projeto cujo objetivo era simplesmente anistiar caixa dois praticado até agora.

A despeito da repercussão negativa do episódio, o ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) se sentiu à vontade para defender o perdão. "Esse debate tem que ser feito sem medo, sem preconceito, sem patrulha e sem histeria", afirmou ao jornal "O Globo" o articulador político da administração Michel Temer (PMDB).

Com a mesma sem-cerimônia, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), voltou a propugnar por medidas que protejam as garantias individuais dos investigados e, numa referência à apresentação midiática da denúncia contra Lula feita pelo Ministério Público Federal, criticou o exibicionismo da força-tarefa da Lava Jato.

Não é difícil imaginar os verdadeiros propósitos de Renan, ele próprio às voltas com a Justiça. Igualmente difícil, todavia, é tirar-lhe razão nesse caso específico. Houve evidente exagero no constrangimento que os procuradores impuseram ao ex-presidente.

Na última quinta-feira (22), outro petista viu-se alvo de medida exagerada e desnecessária. Trata-se do ex-ministro Guido Mantega (Fazenda), preso enquanto sua mulher passava por cirurgia no hospital -e solto cinco horas depois.

Acusa-se Mantega de, em 2012, ter pedido R$ 5 milhões a Eike Batista. Segundo o empresário relatou, o dinheiro se destinaria a quitar dívidas de campanha do PT e foi transferido por meio de contrato fraudulento. Suspeita-se que o pagamento fosse compensação por negócios de Eike com a Petrobras.

A trama soa coerente com tudo o que se sabe acerca do escândalo do petrolão. O ex-ministro deve ser investigado e, se condenado, arcar com as sanções previstas em lei. Nada parecia justificar, contudo, sua prisão provisória -e a própria soltura confirma a tese.

Resvalando perigosamente no arbítrio, excessos desse tipo interessam sobretudo aos detratores da Lava Jato. Causam danos à imagem da investigação, ajudam os que se fingem de vítimas e facilitam a ofensiva dos políticos.

As autoridades envolvidas com a operação têm demonstrado grande dificuldade em reconhecer os erros que cometem. Se tiverem raciocínio estratégico, porém, perceberão que a estrita observância da lei é a melhor defesa da Lava Jato contra os que pretendem enterrá-la.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Alzheimer: Saiba quais os principais mitos da doença

Veja abaixo através da consultoria do especialista algumas inverdades que nós leigos dizemos a respeito do Alzheimer.
Quem tem Alzheimer não consegue compreender o que se passa ao seu redor
A pessoa com a doença, apesar das dificuldades de memória e dos outros sintomas, se mantém consciente do que acontece ao seu redor. Apenas nos estágios avançados isso muda. Ao contrário do que muita gente pensa, o idoso com Alzheimer não passa a ser uma criança, continua sendo fonte de sabedoria e merece o respeito de todos.
Esquecer as coisas significa ter o mal de Alzheimer
Esse é um dos grandes mitos. Problemas de memória podem estar relacionados a diversos fatores, como outras demências e principalmente o estresse e a depressão. Além disso, a doença de Alzheimer vai atingir a memória recente, enquanto a memória de fatos acontecidos há mais tempo (como na infância) são preservadas, no início da doença. A pessoa com Alzheimer, afirmam especialistas, tem memória de curto prazo comprometida, demonstrando dificuldade cada vez maior de memorizar, registrar novas informações e aprender coisas novas. No entanto, sua memória episódica, ou seja, de longo prazo, está preservada, no início.
A vida acabou
Muita gente acha que só porque o paciente recebeu o diagnóstico da doença a vida acabou. Nada disso! Atualmente, com o tratamento e orientação adequados, uma pessoa com a doença pode sobreviver mais 20 anos, após o diagnóstico. Muitos pacientes, se bem estimulados, têm excelente qualidade de vida, divertem-se, relacionam-se de maneira prazerosa e agradável e levam uma vida bem organizada.
É doença de gente idosa
Quem disse?! Estudos mostram que o Alzheimer pode sim se manifestar em pessoas com menos de 65 anos. Embora rara, a Doença de Alzheimer de Início Precoce com menos de 60 anos, é caracterizada por um declínio mais rápido das funções cognitivas e possivelmente está relacionada com alteração genética.
A manifestação da doença é igual para todos.
A doença se manifesta de forma muito diferente entre as pessoas. Umas são mais calmas, outras tem alteração do comportamento, outras são fáceis de cuidar e algumas há necessidade de internação devido à complexidade do quadro.
O Alzheimer é genético
Na grande maioria não. Somente uma pequena porção da doença tem relação direta com alteração genética. Ainda que não se saiba todos os mecanismos genéticos envolvidos na doença de Alzheimer, alguns genes já estão reconhecidos, mas ainda há um bom caminho a andar. Mas a maior causa da doença ainda é o estilo de vida e seu tratamento a prevenção.

Estranha impunidade

Editorial - Estadão
O notório senador Renan Calheiros investe-se de superioridade moral para criticar o “exibicionismo” dos integrantes da Operação Lava Jato. Trata-se da mesma pessoa, que a lassidão dos costumes reconduziu à presidência do Senado Federal, que em 2007 precisou renunciar ao mesmo posto para salvar o mandato de senador e está sendo investigado agora em 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), 9 deles relativos à Lava Jato. “Exibicionismo” é a exposição dessa folha corrida, simultânea à farisaica exibição de virtudes cívicas – tudo com o óbvio objetivo de evitar que se faça justiça.

O alagoano José Renan Vasconcelos Calheiros, filiado ao PMDB, é o que se pode definir, em toda a extensão pejorativa do termo, como um político profissional. Como tal, aferra-se à convicção de que o eleitor tem memória curta e sente-se à vontade para praticar o adesismo irrestrito que o tem levado a aliar-se sempre aos poderosos de turno, no interesse de suas próprias conveniências políticas. De Collor a Dilma, Calheiros esteve sempre no poder.

Quando era deputado estadual em Alagoas, Calheiros acusava o então prefeito de Maceió, Fernando Collor de Mello, de ser o “príncipe herdeiro da corrupção”. Já deputado federal, com a eleição de Collor à Presidência da República, em 1989, tornou-se seu líder na Câmara dos Deputados e, entre outras proezas, anunciou uma ampla devassa no governo anterior, de José Sarney. Mas não conseguiu o apoio de Collor para se eleger governador de Alagoas em 1990 e virou-se contra ele, acusando-o de traição.

Com Itamar Franco na Presidência após a renúncia de Collor, Renan assumiu por cerca de dois anos a vice-presidência da Petroquisa, subsidiária da Petrobrás.

Fernando Henrique Cardoso tornou-se presidente da República em 1995 e já encontrou Renan Calheiros na cúpula do PMDB. Aceitou nomeá-lo ministro da Justiça, por indicação do senador Jader Barbalho (PMDB-PA).

Em 2002, o PMDB fez uma aposta eleitoralmente errada e apoiou a candidatura tucana de José Serra à Presidência da República. Mas o equívoco foi imediatamente corrigido após a vitória de Lula. O PMDB passou a integrar a base aliada do novo governo e, em fevereiro de 2005, o PT apoiou a primeira eleição de Renan para a presidência do Senado Federal. Dois anos depois, em fevereiro de 2007, o alagoano, já composto com seu correligionário José Sarney, reelegeu-se para o que seria um curto mandato, ao qual foi forçado a renunciar, em novembro, numa negociação que lhe preservou o mandato de senador.

O escândalo que ficou conhecido como Renangate estourou em maio de 2007, quando foi publicada a notícia de que a empreiteira Mendes Júnior pagava uma mesada de R$ 12 mil à amante com quem Renan tinha uma filha. Seguiram-se outras denúncias graves: a compra de uma emissora de rádio em Alagoas, em nome de laranjas; a emissão de notas fiscais frias para justificar rendimentos; tráfico de influência na compra de uma fábrica de refrigerantes. Ao todo, foram apresentadas seis representações ao Conselho de Ética do Senado pedindo a cassação do mandato de Renan.

Mas as transgressões de Renan Calheiros em 2007 eram brincadeira de criança em comparação com o que viria. Vale repetir: são 12 inquéritos junto ao STF, 9 dos quais relativos à Lava Jato. Em 7 de junho último, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir a prisão de Renan Calheiros – como parte de um grupo ilustre de peemedebistas integrado também por José Sarney, Eduardo Cunha e Romero Jucá – sob a acusação de tentar obstruir os trabalhos da Operação Lava Jato.

A folha corrida de Renan Calheiros distingue-se, por exemplo, da de Eduardo Cunha, que já teve o mandato cassado, porque o alagoano é um devoto das sombras e evita desafiar abertamente o governo – qualquer governo. Mas isso não explica por que Renan Calheiros continua se beneficiando da proverbial morosidade da Justiça, o que o estimula a desafiá-la com crescente desassombro.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Uso do cachimbo

Por Dora Kramer - Estadão
Pode-se até discutir a eficácia da medida no tocante ao combate à corrupção, mas o caráter pedagógico do veto às doações de empresas para financiar campanhas eleitorais é inequívoco: levar os partidos a buscar novas formas de financiamento mediante a motivação da sociedade a contribuir para o bom andamento dos trabalhos da democracia.

Tempo para se dedicar à tarefa tiveram. O problema é que não quiseram e, assim, chegamos às vésperas das primeiras eleições sob a égide da nova regra com suas excelências propondo a revogação da lei que, segundo o veredito corrente no mundo político, não deu certo.

Conclusão apenas apressada caso fosse fruto de boa fé. Aquela decorrente do exame detido da situação, do cotejo de possibilidades, da busca real de alternativas, do pressuposto de que para motivar a comprador (o eleitor) é imprescindível melhorar a qualidade do produto (a prática político-partidária).

O problema é que isso demanda esforço, coragem para enfrentar o risco, mudança de paradigma, disposição para a prática do convencimento, boas ideias, genuíno espírito público, criatividade, transparência, franqueza, talento e demais atributos sem os quais não se vence a inércia, não se dá um passo adiante.

A ideia seria fazer da eleição municipal um teste até para que os partidos começassem a se adaptar. Mas a campanha ainda nem terminou e lideranças dos principais partidos, incluído o presidente da Câmara, já decretam que a solução é a revogação.

Isso sem contar as ilegalidades já detectadas pela Justiça eleitoral e tribunais de contas: uso de laranjas, documentação de pessoas mortas, desvios indevidos do dinheiro (público) do Fundo Partidário, doações feitas em nome de pessoas físicas com recursos das jurídicas e por aí tem ido a prática da burla.

Líderes argumentam que não é possível acabar com o financiamento empresarial sem colocar “nada” no lugar. Por “nada” parecem entender uma fonte segura e permanente de recursos, quando o que se pretendia é que os partidos se mobilizassem para começar a depender mais do reconhecimento do eleitorado e menos do interesse do empresariado.

É o caso do uso do cachimbo. Em excesso deixa a boca torta. Quando da decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir as doações de pessoas jurídicas, partidos e candidatos já sabiam que já não haveria dinheiro como antes. Óbvio. Era essa mesmo a ideia: tornar mais iguais as condições das campanhas e todos os candidatos. Muito vivos, fizeram-se de mortos a fim criar uma versão supostamente correspondente aos fatos.

Tira teima. O juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio da Silva e mais sete pessoas apresentada na semana passada pelos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, dirimindo, assim, qualquer dúvida sobre a existência de substância na peça produzida pela acusação.

A decisão era esperada. Inclusive pelo próprio Lula, cuja reação indicava exatamente o contrário do que disse em seu discurso em que acusou o Ministério Público de ter produzido um show de pirotecnia, mas não rebateu o mérito das acusações.

Algo parecido ocorreu em 2007 quando o então procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, apresentou a denúncia do mensalão. O relato dele também foi recebido com algum descrédito e alegações de que não havia provas contra os acusados. O Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia, instruiu o processo e, nele, produziu as provas que levaram às condenações.

Lula é réu, não é condenado. Se vier a ser, poderá recorrer. Só não poderá mais dizer que os procuradores envolveram-se numa “enrascada” ao denunciá-lo.

Um terço dos brasileiros culpa mulheres por estupros sofridos

"Isso nos mostra uma transformação em curso na tolerância à violência sexual e na percepção de que a culpa é da mulher", avalia Wânia Pasinato, da ONU Mulheres. "Aqueles mais jovens e com mais educação melhoraram sua compreensão sobre o papel da mulher na sociedade", diz ela.

O papel da educação no combate às agressões sexuais é reconhecido por 91% dos entrevistados, que dizem ser possível "ensinar meninos a não estuprar".

"A educação é um fator de mudança e, portanto, devemos trabalhar o potencial transformador de valores das escolas", destaca Lima.

Para Pasinato, no entanto, a retirada de metas de combate à discriminação de gênero dos planos nacional, estaduais e municipais de educação, por pressão de bancadas religiosas, deve ter impacto negativo nessas transformações.

#EUNÃOMEREÇO
Em 2014, pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que 65,1% dos brasileiros acreditavam que mulheres que mostram o corpo "merecem ser atacadas".

O dado, depois corrigido para 26%, provocou uma enxurrada de manifestações e uma campanha em que mulheres e homens expuseram seus corpos em fotos acompanhadas da hashtag #EuNãoMereçoSerEstuprada.

"Os dados da nova pesquisa mostram um cenário ainda pior que aquele apresentado pelo Ipea", avalia Nana Queiroz, idealizadora da campanha e diretora da revista AzMina. "Não me surpreende que o percentual de concordância com a frase [30%] seja igual entre homens e mulheres. A cultura do estupro é tão arraigada que acaba sendo reproduzida também por mulheres."

Na mesma tônica, 37% dos brasileiros declararam acreditar que "mulheres que se dão ao respeito não são estupradas", o que reitera a ideia de controle do comportamento e do corpo da mulher.

Entre entrevistadas do sexo feminino, o índice de concordância com a frase cai para 32%. Entre homens, sobe para 42%.

POLÍCIA E JUSTIÇA
Segundo o estudo, 65% dos brasileiros temem ser vítimas de violência sexual. Entre mulheres, 85% têm medo de sofrer um estupro. No Nordeste, este índice é de 90%.

A pesquisa revela ainda que 50% dos entrevistados avalia que a Polícia Militar não está preparada para atender mulheres vítimas, enquanto 42% diz o mesmo sobre a Polícia Civil.

De acordo com Pasinato, a capacitação de profissionais para o atendimento à mulher vítima de violência está refletida na política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher. "O que falta é a elaboração de protocolos de atendimento pelas instituições policiais, algo capaz de mudar as práticas e a rotina deste atendimento", diz.

Nove em cada dez reclamações feitas à Ouvidoria da Secretaria de Políticas para as Mulheres são queixas contra o serviço de atendimento da PM, a assistência prestada em delegacias de polícia tradicionais e em delegacias especializadas no combate à violência contra a mulher.

"Um inquérito mal elaborado vai resultar em um processo judicial muito frágil em que fica fácil construir uma defesa para o agressor", avalia ela, para quem a visão que culpabiliza a mulher pelo crime de que é vítima, apontada pela pesquisa, está presente também nas instituições policiais e judiciais.

No Estado de São Paulo, apenas 2 em cada 10 inquéritos abertos pela Polícia são esclarecidos. Dos casos que chegam à Justiça, a maioria acaba em absolvição.

Daí que 53% dos entrevistados na pesquisa avaliem que as leis brasileiras protegem os estupradores.

Em cerca de 70% dos casos de estupro registrados, o agressor é conhecido da vítima, o que dificulta a comprovação do não consentimento, baseado em geral no relato da vítima.

Em mais de 80% dos crimes, a vítima não apresenta trauma físico ou mental, o que dificulta a comprovação material da violência sofrida. "O problema não está na lei, mas no aplicador da lei", explica Ana Paula Meirelles, do Núcleo de Defesa da Mulher da da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. "Ainda há uma pouca valoração do discurso da mulher alvo de crimes sexuais, especialmente naqueles praticados por conhecidos, quando há uma inversão de valores e a vítima passa ser vista como culpada pelo crime."

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O militante imaginário

Por Arnaldo Jabor
O que é o “militante imaginário”? O filósofo José Arthur Giannotti criou essa expressão e eu a achei perfeita. O “militante imaginário” é o sujeito que se acha revolucionário, mas nunca fez nada pelo povo. Chamemo-lo de MI. É-se militante imaginário como se é Flamengo ou Corinthians. Agora, nessa grande crise de mutação que vivemos, pululam militantes imaginários.

O MI se julga em ação, só que não se mexe. Ele é a favor de um Bem que não conhece bem. O que é o “Bem” para ele, o nosso militante imaginário?

Para o MI de hoje o “Bem” é uma mistura de crenças ideológicas que nos levariam a um futuro de felicidade. A mente de um MI é um sarapatel de leninismo vulgar, socialismo populista, subperonismo, vagos ecos getulistas e um desenvolvimentismo tosco.

Eles gostam de ser militantes porque é bonito ser de uma vaga esquerda enobrecedora; ela abriga, como uma igreja, muitos tipos de oportunismo ideológico. São professores universitários, intelectuais sem assunto, jovens sem cultura política e até mesmo os “black blocs” que já são tolerados e viraram uma espécie de “guarda revolucionária” dos militantes.

Existem vários tipos de militantes imaginários.

Há o militante de cervejaria, de estrebaria e de enfermaria. Bêbados, burros e loucos.

O MI é um revolucionário que não gosta de acordar cedo. É muito chato ir para porta de fábrica panfletar.

O militante verdadeiro, puro, escocês, só gosta de teorias. A chamada “realidade” atrapalha muito com suas vielas e becos sem saída. Os MI’s odeiam a complexidade da realidade brasileira, porque eles aspiram a um absoluto social num mundo relativo; eles querem um Brasil decifrado por três ou quatro slogans.

A grande paixão do MI é a certeza. “Dúvida” é coisa de burguês reacionário, frescura social-democrata ou neoliberal. O MI só pensa no futuro; odeia o presente com suas complicações, idas e vindas. O militantes odeia meios; só tem fins.

Para o MI, o presente é chato. O futuro é melhor porque justifica qualquer fracasso: “Falhamos hoje, mas isso é apenas uma contradição passageira na marcha para a grande harmonia que virá!”. E quanto mais fracassos, mais fé. O MI perde o poder, mas não perde a pose e a fé. A cada uma de suas frequentes derrotas, mais brilha sua solidão de “vítima” do capitalismo. Aliás, ser “contra” o capitalismo justifica tudo e garante uma respeitabilidade reflexiva. E hoje, como o comunismo está inviável, os MI’s lutam pela avacalhação do que já existe, pois não têm nada para botar no lugar.

O MI é uma espécie de herói masoquista, pois tem o charme invencível do derrotado que não desiste. Os MI’s são em geral românticos, são até bons sujeitos, mas são meio burros.

Há até MI’s cultíssimos, eruditos; porém, burros. Eles não veem o óbvio, porque o óbvio é muito óbvio. Acham que a verdade só existe escondida nas nervuras do real.

Depois de 13 anos de erros sucessivos, quando o PT abriu as portas para o presidencialismo de corrupção, houve o impeachment. Foram longos meses de cuidados constitucionais até a conclusão. O STF, o Congresso, a OAB, a PGR, todos consagraram rituais institucionais corretos.

Mas, não adianta; depois de pixulecos e panelaços, começou a gritaria de “golpe, golpe” e refloriu a primavera dos militantes imaginários que estavam meio arredios, acuados. A desgraça é que eles insistem nas dualidades ideológicas, quando o problema do Brasil é contábil. É a economia, estúpidos! – como disse Carville.

Hoje, eles estão pululando e gritando “Fora Temer”; até sem saber porquê.

Não importa se dilmistas e petistas tenham arrasado o País, jogando-o na maior depressão da história; o que importa para os MI’s é que, mesmo arrebentando tudo, eles portavam a bandeira mágica da revolução imaginária que tudo justifica. Espanta-me a frivolidade desses protestos abstratos. Os MI’s não se permitem nem alguns meses da esperança de que se consertem as contas públicas; destruíram-nas e não deixam consertá-las.

O militante imaginário se considera superior a todos nós, reacionários e caretas.

O MI é uma alegoria de si mesmo; ele não é apenas um indivíduo – ele é mais do que isso, ele é o autodeclarado embaixador do povo. O militante imaginário se considera o sujeito da história, o cara que vai mudar o rumo do erro; enquanto isso, a direita sabe que a história não tem sujeito; só objeto (no caso, o lucro).

Eles lutam pelo passado. São regressistas com toques sebastianistas de paz no futuro e glória no passado. Eles têm uma espécie de saudade de um mundo que já foi bom. Quando foi bom? Durante as duas guerras, no stalinismo, quando?

Ou seja, eles tem saudade de um tempo em que se achava que o mundo poderia vir a ser bom... É a saudade de uma saudade.

O MI acha que o mundo se divide em esquerda e direita – em opressores e oprimidos. Qualquer outra categoria é instrumento dos reacionários. O MI detesta contas, safras de grãos, estatísticas, tudo aquilo que interessa à velha direita. Por isso, ela ganha sempre.

O militante imaginário não pode ser confundido com o patrulheiro ideológico. Este vigia os desvios dos outros. O MI brilha como um exemplo a ser seguido. O MI só ama o todo.

Enquanto a direita só ama a “parte” (sua, claro). O MI nunca leu O Capital; a direita também não, mas conhece o enredo. O MI vive falando em “democracia”, mas não acredita nela. Como sempre, os MI’s só defendem a democracia como estratégia (“a gente apoia e depois esquece...”) .

Ultimamente, os MI’s andam eufóricos – não precisam mais governar e outras chateações administrativas. Agora, estão na doce condição de vítimas. E por aí vão, se enganando, se sentindo maravilhosos guerreiros com “boa consciência”, enquanto contribuem para a paralisia brasileira. É isso aí...

O MI me lembra uma frase de Woody Allen que adoro: “A realidade não tem sentido, mas ainda é o único lugar onde ainda se pode comer um bom bife”. O MI não quer bife.

Eucaristia e Misericórdia

Por Cardeal Orani Tempesta
Como já é tradicional em nossa amada Arquidiocese, anualmente tenho a graça de investir no exercício do Ministério Extraordinário da Comunhão Eucarística os candidatos preparados pelos vicariatos para exercerem o ofício de primeiro auxiliar dos Ministros Ordinários da Comunhão, que são todos os presbíteros em suas sedes paroquiais, capelanias e comunidades eclesiais. Foi o que pude fazer neste final de semana. Meu primeiro agradecimento é ao nosso bispo auxiliar, Dom Roque Costa Souza, pelo seu dedicado trabalho de acompanhamento desta pastoral. Minha palavra de gratidão à preparação, que teve como artífice o Reverendo Padre Marcelo Batista.

A Eucaristia é a fonte e o centro de toda a vida cristã, de tal forma que se pode afirmar que a Igreja vive da Eucaristia. Neste sentido, o serviço litúrgico dos ministros extraordinários da comunhão deve ser entendido como expressão do cuidado pastoral para promover a devoção ao mistério eucarístico.

Toda a presidência litúrgica deve ser a expressão do “Cristo cabeça da Igreja”. Os fiéis batizados, primeiros destinatários da Celebração da Santa Eucaristia, “os leigos são admiravelmente chamados e munidos para que neles se produzam sempre mais abundantes frutos do Espírito” (Sacrosanctum Concilium, 34) e tornem-se “hóstias espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1Ped 2,5). Todos os que exercem funções dentro da celebração: coroinhas, ministro extraordinário da Sagrada Comunhão Eucarística, animadores, leitores, salmista, ministério do canto (cantores), equipe de acolhida (recepcionista) “desempenhem um verdadeiro ministério litúrgico. Cumpram sua função com a piedade e ordem que convém a tão grande ministério. Sejam imbuídos do espírito litúrgico e preparados para executar as suas partes, perfeita e ordenadamente”. (Sacrosanctum Concilium, 29). A concentração e a capacidade de elevação espiritual se refletem por inteiro na comunidade celebrante. “Na liturgia, Deus fala a seu povo. E o povo responde a Deus, ora com cânticos, ora com orações”. (Sacrosanctum Concilium, 33).

A missão do Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística é um serviço. Como serviço deve ser uma participação alheia ou desinteressada. Quem preside, quem prega e toda a equipe de celebração não é uma prestadora de serviço.

Todos sabemos que a principal missão do Ministro Extraordinário da Comunhão é auxiliar na distribuição do Sacramento da Eucaristia. Sob esse aspecto já tive ocasião de escrever várias vezes. Entretanto, dentro do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, eu creio que é uma grande obra de misericórdia o Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística empenhar-se, semana a semana, durante todo o ano na visita aos enfermos e encarcerados. Isso é uma admirável obra de Misericórdia.

A principal diferença da visita do Ministro Extraordinário da Comunhão ao irmão enfermo é a evangelização da família que será visitada pelo Santíssimo Sacramento. Gostaria de pedir aos novos ministros instituídos, assim como aos antigos, que antes de levarem comunhão ao doente façam um tempo de oração diante do sacrário, assim como conheçam e visitem a família do enfermo. Vamos evangelizar primeiro: conhecendo a realidade local. Conhecer as condições de saúde do doente e se este necessita da confissão sacramental, e algumas vezes também da unção dos enfermos. Também ter atenção para não faltar, neste Ano Santo, a graça da Confissão aos doentes e encarcerados. O Ministro Extraordinário deverá se questionar se o doente realmente tem condições de entender o sacramento que está recebendo. Também a família deve ser evangelizada, envolvida, conhecendo sua prática religiosa e a participação na vida da comunidade. Assim, a família deverá ser avisada quando o padre ou o Ministro Extraordinário da Comunhão irá atender o doente, para que possa se preparar.

É sempre importante orientar a família como preparar o ambiente para a comunhão Eucarística. Seguir as normas e orientações do Manual do Ministro Extraordinário da Sagrada Comunhão Eucarística e o Ritual para a visita ao doente: 1. Cuidar da teca, sanguíneo, corporal e bolsa onde se leva o corpo do Senhor; 2. Manifestar de forma concreta e prática o zelo pela Eucaristia. “Deus age em nós, por nós e conosco”. 3. Não ficar conversando com as pessoas pelo caminho enquanto leva a Sagrada Eucaristia para o doente. Se possível levar junto um acompanhante para auxiliar nas orações ou dirigir o veículo. O acompanhante não necessariamente precisa ser um ministro instituído. 4. Pode ocorrer que não foram consumidas as hóstias consagradas por ocasião da visita ao doente, não deixar guardada na sua casa. O pão consagrado deve ser consumido na casa do último doente a ser visitado. O próprio Ministro da Sagrada Comunhão deve consumir caso sobre. Cuidar bem da teca, sanguíneo, corporal e bolsa utilizada para a comunhão. Lembro que os idosos e doentes estão dispensados do jejum eucarístico. Esse momento único de Jesus, que é dado na Santa Eucaristia aos doentes, é o ápice da misericórdia da Igreja aos que estão vivendo o sofrimento da doença.

Convido todos os ministros extraordinários estudarem a Instrução da “Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos”, “Redemptionis Sacramentum”, “sobre algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia”, de 19 de março de 2004.

Acesse: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccdds/documents/rc_con_ccdds_doc_20040423_redemptionis-sacramentum_po.html (acessado pela última vez em 17 de setembro de 2016).

Seria oportuno também que o Ministro Extraordinário sempre consulte a “Instrução Geral do Missal Romano”, que disciplina a celebração da Santa Missa. http://www.clerus.org/clerus/dati/2007-11/23-13/01MISSALROMANO.html (acessado pela última vez em 17 de setembro de 2016).

Os Ministros Extraordinários da Comunhão devem cuidar da sua vida espiritual e empenhar-se na sua formação cristã, participando em exercícios espirituais e em atividades de reflexão teológica. Eles devem ser testemunhas credíveis do Evangelho por uma vida autenticamente santa, como excelentes leigos inseridos no mundo, dando testemunho vivo do Cristo Eucarístico. Cristo está presente na Eucaristia sob as espécies de pão e de vinho. Ora, pão e vinho são alimentos. Logo, o sentido da presença de Cristo na Eucaristia é que nós nos alimentemos dele.

Desejo vivamente que os novos Ministros Extraordinários vivam este ministério sagrado com dignidade, lembrando que devem ser homens e mulheres imbuídos de uma vida cristã autêntica, sejam maduros na fé, e possam servir a Igreja. O Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística deve ensinar e viver o que a Igreja ensina, especialmente em relação à Eucaristia.

Que a sua vida seja constantemente voltada para o diálogo e a promoção da comunhão de todos com Cristo. Recebam minha bênção e levem meu afetuoso abraço de misericórdia a todos os que cruzarem o caminho de seu ministério, que desejo seja de compaixão e de concórdia.

Saturnino Braga e a Amazônia

Folha- No século passado, quase ao mesmo tempo da campanha "O Petróleo é Nosso", o país viveu o debate sobre a internacionalização da Amazônia. O que mudou de lá para cá?

Roberto Saturnino Braga
- Isso continua latente. A nação não tem olhado para a Amazônia como metade do seu território e com potencial de riqueza. Há dificuldades de acesso, a densidade eleitoral é baixa, o que diminui sua importância política. Há condescendência com o interesse do mundo na região, e o Brasil se paralisa. Há pesquisas de várias partes do mundo sendo feitas aqui, mesmo sem o conhecimento do governo, tentando avaliar a importância da Amazônia para desenvolver estratégia mais eficiente de dominação. O que preocupa é a desídia brasileira em relação à Amazônia.

Qual o papel das Forças Armadas nesse processo?
A Amazônia esteve ameaçada até de ocupação e as Forças Armadas foram chamadas. Montaram o Sivam [sistema de monitoramento], as unidades de combate. Essa presença militar foi gerando uma consciência não só da defesa, mas da conservação. Hoje os militares são reconhecidos. A Amazônia é potencialmente tão rica que tem que ser objeto de uma política de Estado. O filão desconhecido é a biotecnologia. Mas são todas tarefas de Estado. É necessário um projeto nacional para discutir isso.

Como o sr. analisa a posição do governo Temer em relação a essas ideias?
A linha política desse governo dificulta a implantação dessa visão estratégica, pois é muito mercadista. A missão amazônica não é de mercado.

Como político que viveu crises, como avalia o governo?
Esse governo tem uma falha de legitimidade que o enfraquece muito. Só com nova eleição haverá um governo efetivamente legitimo. Vai enfrentar oposição das ruas e descrença popular. Tudo foi armado lá de cima. Eu vi Getúlio, Jango. Os EUA querem manter um domínio sobre o continente, o que fazem desde sempre. Ali se forma um eixo Brasil, Venezuela e Argentina em busca da autonomia. Isso colocou em risco o projeto norte-americano de dominação condescendente. Depois, a aliança do Brasil com a China, nos Brics. O Brasil faz um projeto para desenvolver a tecnologia de enriquecimento do urânio para se transformar em um grande exportador de urânio. Tem o projeto de se aliar com a França para fazer um submarino atômico. Os EUA dizem: para que isso? A Quinta Frota protege, não precisa de submarino. Quiseram dar um basta nisso.

Como assim?
Fizeram um projeto para ganhar eleições. Ganharam na Argentina e na Venezuela, no Parlamento, e quase ganharam no Brasil. Daí o golpe, que não pode ser clássico. Teve a experiência do Paraguai, o golpe constitucional, entre aspas. A embaixadora norte-americana era a mesma [no Paraguai e no Brasil]. Fizeram para destruir o eixo de autonomia entre Brasil, Venezuela e Argentina e a relação com os Brics.

Qual a relação com experiências do passado?
No caso do Jango eu vi de perto, era deputado. Para os EUA, qualquer governo com leve inclinação de esquerda tinha que ser deposto, porque colocava em risco o poder.

O fim da farra na Petrobrás

Editorial - Estadão
O desastre administrativo da Petrobrás permitiu ao País constatar o mal que faz submeter a gestão das estatais à patota sindical. Felizmente, a nova direção da empresa tomou coragem para retomar o caminho do profissionalismo, ao propor um pacote trabalhista que, na prática, visa a encerrar esse período nefasto em que os servidores da petroleira se tornaram uma casta de privilegiados às expensas do contribuinte.

Conforme noticiou o Estado, a proposta inclui redução de jornada de trabalho e de salário, congelamento do piso salarial e corte de horas extras, do auxílio-alimentação e do subsídio para compra de remédios por funcionários, tudo como parte do ajuste nas depauperadas finanças da estatal e da recuperação de sua capacidade de investimento.

Como era previsível, a proposta encontrou forte resistência dos sindicalistas, cuja presença em diversos cargos de direção, por obra e graça da trevosa era lulopetista, é um dos elementos que explicam por que a estatal chegou ao estágio de degradação em que se encontra. Dizendo-se defensora da empresa contra o “imperialismo” e contra o “neoliberalismo”, a companheirada esmerou-se em criar e ampliar mimos para os funcionários, como se esses servidores fossem de uma categoria especial apenas pelo fato de trabalharem na estatal que “traz em sua bandeira verde e amarela a paixão e o orgulho do povo brasileiro”, como qualificou a Federação Única dos Petroleiros (FUP). Ser empregado da Petrobrás, segundo essa turma, não é exercer uma simples ocupação remunerada; é abraçar a nobre missão de proteger a soberania nacional.

Essa patranha foi utilizada na tentativa de justificar barbaridades. Assim, por exemplo, os funcionários que deixaram de trabalhar nas plataformas de petróleo e passaram a despachar nos escritórios no centro do Rio de Janeiro não perderam o extra que recebiam a título de periculosidade – esse dinheiro foi convertido em bônus, graças a um acordo dos sindicatos com os gerentes de recursos humanos e de relações sindicais, não por acaso ex-dirigentes da FUP. Suspeita-se que tal acordo – que, na prática, anula o adicional de periculosidade – tenha sido deliberadamente malfeito pelos gerentes-sindicalistas com o objetivo de deixar brechas para contestações judiciais e uma enxurrada de indenizações, das quais os sindicatos abocanham uma parte.

Vantagens inexplicáveis como essa, que não são encontradas em nenhuma empresa do setor privado, se multiplicam na Petrobrás. Os funcionários dispõem de generosa assistência médica e de ampla participação nos lucros – que foi paga mesmo quando a empresa começou a registrar prejuízo bilionário. Além disso, prevalece o sistema em que funcionários são promovidos apenas em razão do tempo de casa.

É claro que, ao estimular essa esbórnia trabalhista, a tigrada só pensa em arregimentar, entre os felizes e agradecidos empregados da Petrobrás, os contribuintes que sustentarão a máquina sindical. É um círculo vicioso que precisa ser rompido sem hesitação, mesmo diante do desgastante confronto com os sindicatos.

A reação começou entre os próprios funcionários da Petrobrás, cansados do aparelhamento promovido pelo PT, que, entre outros estragos, abriu um rombo no fundo de pensão da estatal. Na mais recente eleição para representante dos funcionários no Conselho de Administração da Petrobrás, saiu vencedora a chapa constituída por engenheiros sem qualquer ligação partidária ou sindical. Até então, essa vaga era ocupada por gente da FUP e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP).

Agora, a nova direção da Petrobrás quer avançar ainda mais no desmonte dessa estrutura perniciosa, restabelecendo a racionalidade no trato com seus funcionários. O melhor sinal de que a Petrobrás está no caminho certo é a reação irada dos sindicatos, que prometeram uma “resposta dura” ao pacote. Espera-se que a direção da estatal deixe claro que a época da administração companheira, responsável por permitir a pilhagem da empresa por aqueles que dizem defendê-la, acabou de vez.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Projeto de desenvolvimento conjunto e soberano é caminho para Amazônia

Construir um projeto conjunto de desenvolvimento soberano para a Amazônia é essencial para o futuro da região e do país. O caminho passa por integrar economias, regularizar a posse da terra, fazer inclusão social, criar conhecimento, defender as riquezas, a biodiversidade e os direitos tradicionais.

Em torno dessas ideias, especialistas de diversas áreas se reuniram na semana passada em Manaus. Economistas, diplomatas, advogados, militares, ecologistas debateram propostas para a região no 3º Congresso Internacional do Centro Celso Furtado, com o tema Amazônia Brasileira e Pan-Amazônia: Riqueza, Diversidade e Desenvolvimento Humano.

Congregando oito países, 7,5 milhões de km², 40 milhões de habitantes e 20% da água doce que corre para os oceanos, tudo é superlativo na região. Maior bacia hidrográfica do mundo, maior floresta, na região se encontram 70% das fronteiras do Brasil. Sempre vista como objeto de cobiça externa, sua internacionalização foi debatida no século 20.

Com a oposição das Forças Armadas, essa proposta foi engavetada. A ocupação, na parte brasileira, deslanchou a partir do período ditatorial, com projetos de estradas, como a Transamazônica, e exploração por grandes empresas que receberam incentivos para produzir –e desmatar.

Na transição para a democracia, a ligação com os países da região foi aumentando. O Mercosul foi criado em 1991. A Alca, associação com os EUA, foi rechaçada. Em 2000, os presidentes da América do Sul fizeram sua primeira reunião conjunta sem a presença de outras potências. Surgiu o embrião da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), constituída oficialmente em 2008.

"A criação da Unasul é um negócio gravíssimo para os EUA", diz o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-ministro-chefe de assuntos estratégicos do Brasil. Ele avalia que os norte-americanos não gostaram da formação de uma união no continente sem a sua anuência. "De repente se criou um organismo sul-americano com a capacidade de resolver conflitos, com a ação do Brasil, que sempre se pautou pela autodeterminação dos povos e pela não intervenção", afirma.

Pedro Silva Barros, diretor de assuntos econômicos da Unasul fala da necessidade de avanços na integração da região. Lembra, por exemplo, que o Brasil é um grande consumidor de fertilizantes, especialmente para as plantações de soja do Mato Grosso. O NPK usado nas lavouras é importado de países como Rússia, Ucrânia, Egito e Marrocos, gerando um deficit anual de US$ 10 bilhões. No entanto, países vizinhos do Brasil têm todos os elementos para a produção de fertilizantes.

"A Venezuela é grande produtora de ureia, a Bolívia detém as maiores reservas mundiais de lítio –e, como derivado da produção de lítio para as baterias, tem o reservas de potássio–; o Peru tem reservas de fosfato. Os três não têm integração produtiva, têm deficiência de integração fluvial. O mercado por si, nessas muitas décadas, não fez essa integração. É necessário um planejamento conjunto da região", advoga.

Para ele, é possível também ter um planejamento energético de forma integrada com os países da América do Sul. "Na Europa e na Ásia houve sucesso na integração energética, essencial em momentos de instabilidade, e que coloca questões de longo prazo acima de detalhes de política interna".

Ennio Candotti, ex-presidente da SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, e diretor do Museu da Amazônia, alerta sobre problemas na Zona Franca de Manaus. Critica o fato de o poder decisório das empresas ali instaladas não estar na região e de não haver maior preocupação com o desenvolvimento tecnológico.

Concordando com a avaliação do cientista, Barros declara: "As empresas estão fazendo o seu jogo. A política de indução do Estado é válida, mas pode ser aprimorada, obrigando que as companhias tenham maior produção de ciência e tecnologia aqui e uma maior articulação com os países vizinhos".

Outro ponto debatido foi o do direito de patente dos produtos da região que são conseguidos fora da Amazônia. Barros lembrou que o Equador aprovou legislação que desconhece as patentes de produtos da região obtidas fora do pai. "Isso poderia ser discutido entre os países", sugere.

Os 14 contêineres de Lula

Editorial - Estadão
De acordo com os cálculos feitos pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ao menos R$ 3,7 milhões a título de propina da OAS. Segundo a denúncia apresentada, está incluído nesse valor, além das benesses referentes ao triplex do Guarujá, o montante de R$ 1,3 milhão que a empreiteira teria pago pela armazenagem, entre 2011 e 2016, de 14 contêineres de Lula.

Não há dúvida a respeito de quem bancou o custeio dessa armazenagem. O presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto – que também foi denunciado pela Operação Lava Jato por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro –, admitiu ter recorrido à generosa empreiteira para que ela pagasse a conta da manutenção do acervo do ex-presidente.

Segundo Okamotto, ele não tinha alternativa. “É que não tínhamos dinheiro. Quando fizemos o contrato não tinha recursos. Como vai pagar um aluguel de R$ 25 mil? Não tinha outro jeito. Como é que ia fazer? Onde iria guardar 14 contêineres?”

Dizendo não se tratar de um crime, Okamotto afirma que não se arrepende da decisão de pedir ajuda para a empreiteira. “Eu realmente pedi para a OAS, se isso for um crime então você me diga qual é a pena que sou obrigado a cumprir. Eu sempre disse que pedi apoio à OAS”, reconheceu o diligente Okamotto, que soube com precisão onde buscar os recursos de que tanto necessitava.

O presidente do Instituto Lula disse ainda que o conteúdo dos 14 contêineres – bens que, segundo ele, “integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público” – justificaria que a empreiteira recorresse aos benefícios fiscais concedidos pela Lei Rouanet. “A OAS para mim deveria inclusive reivindicar Lei Rouanet porque está fazendo um pagamento para manter um bem cultural do povo brasileiro”, opinou.

Antes de discutir se é razoável gastar dinheiro público para manter o acervo de Lula, é necessário investigar detalhadamente o conteúdo dos 14 contêineres, coisa que até agora não se fez. Fala-se simplesmente que ele é composto de milhares de cartas e presentes ao ex-presidente Lula.

Ora, existe um Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos (Decreto 4.081/2002), que proíbe o recebimento de presentes. O art. 10 é claro: “É vedado ao agente público, na relação com parte interessada não pertencente à Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou de organismo internacional de que o Brasil participe, receber presente, transporte, hospedagem, compensação ou quaisquer favores, assim como aceitar convites para almoços, jantares, festas e outros eventos sociais”.

No caso de ser impossível ou inconveniente rejeitar o presente oferecido, o parágrafo 2.º do mesmo artigo do Código de Ética define o destino a ser dado: “Os presentes que, por qualquer razão, não possam ser recusados ou devolvidos sem ônus para o agente público serão incorporados ao patrimônio da Presidência da República ou destinados a entidade de caráter cultural ou filantrópico, na forma regulada pela Comissão de Ética dos Agentes Públicos da Presidência e Vice-Presidência da República”.

Como se vê, não basta esclarecer a que título a OAS pagou a conta da armazenagem dos 14 contêineres de Lula. Também é de interesse público que seja investigado o conteúdo exato do que consta nesse acervo, já que, como preceitua o Código de Ética, presente recebido no exercício de cargo público federal não se incorpora ao patrimônio pessoal do funcionário.

Pode ser que tudo não passe de um mal-entendido e os 14 contêineres estejam lotados de bugigangas – regalos de até R$ 100, que não entram na proibição do Código de Ética. De toda forma, é importante investigar o conteúdo do acervo de Lula. Afinal, não fica bem pairar sobre o homem que se diz o mais honesto do País dúvidas sobre sua adesão ao Código de Ética.

domingo, 18 de setembro de 2016

Dez anos depois...

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
Lula foi um mito dentro e fora do Brasil, mas isso começou a ruir quando o discurso ético dele e do seu PT foi confrontado com o mensalão, em 2006.

O cerco se fechou sobre Dilma Rousseff, depois sobre Eduardo Cunha e agora se fecha sobre Luiz Inácio Lula da Silva, num redemoinho que traga o PT e deixa o tabuleiro político de 2018 boiando. As peças estão soltas, ao sabor das ondas, da Lava Jato e do pavor do que ainda pode vir por aí.

Lula foi um mito dentro e fora do Brasil, mas isso começou a ruir quando o discurso ético dele e do seu PT foi confrontado com o mensalão, em 2006: Compra de votos? O PT não é diferente? Naquele momento, era quase uma heresia admitir o que hoje parece óbvio: seria muito difícil tudo aquilo ser arquitetado e operacionalizado dentro do Planalto sem que o presidente mandasse ou, no mínimo, soubesse. Até porque os grandes beneficiários do mensalão eram o governo e o próprio Lula, apesar de ele jurar que não viu, não ouviu, não sabia...

Dez anos depois de um aparelhamento desenfreado do Estado e de várias prisões, o MP mostra por palavras, gestos e organogramas que José Dirceu saiu do governo, mas o mensalão ficou e evoluiu para o petrolão, maior esquema de corrupção da história brasileira, capaz de jogar no chão a Petrobrás. Logo, concluíram, Dirceu não era o “chefe da quadrilha”, como disseram na época o procurador-geral da República e ministros do Supremo. Era só o “braço-direito” do “comandante máximo” da corrupção: Lula.

Independente da desolação do “nós”, da comemoração do “eles” e das críticas ao tom e à forma dos procuradores, essa história vai avançar pelo caminho jurídico, causando sérias consequências políticas. Lula, seus processos, sua eventual candidatura em 2018 e o destino do PT estão nas mãos do juiz Sérgio Moro, que pode ou não acatar a denúncia do MP, enquanto o PT continua sendo chacoalhado por más notícias.

Moro condenou José Carlos Bumlai, amigo de Lula, a 9 anos e dez meses de prisão, e a Polícia Federal indiciou o governador Fernando Pimentel, de Minas, que é o único troféu petista no “Triângulo das Bermudas” da política, já que o partido não tem São Paulo nem Rio. E, aliás, corre o risco de perder a capital de São Paulo, onde Fernando Haddad patina no quarto lugar, e é traço no Rio (com Jandira Feghali, do PC do B) e em Belo Horizonte, com candidato próprio. Lula afunda, o PT afunda.

Os seguidores de Lula repetem o que ele disse chorando: ele não é ladrão, não tem ambição, não é dono de triplex nem de sítio e está sendo vítima da direita enfurecida. O “golpe”, dizem, começou com o impeachment de Dilma para acabar com a prisão de Lula. Mas, longe dos microfones, há quem acrescente: o erro de Lula foi nunca ter comprado nada no nome dele e ter se acostumado a viver de favores de amigos, correligionários e, enfim, de empreiteiros que saqueavam a Petrobrás. Como se fosse um vício inocente: viver à custa dos outros. “Lula é assim”, perdoam.

Do outro lado, há entre os inimigos de Lula os que bradam pela eliminação do ex-presidente e do PT da face da terra, como se não tivessem direito a defesa nem tivessem dado importante contribuição, em diferentes momentos da história, para a construção de um país melhor. As redes sociais estão contaminadas pela irracionalidade, pela deturpação dos fatos e por linchamentos nada democráticos. Mas querer que Lula seja julgado e pague, se tiver culpa no cartório, não é uma questão de ódio, é de justiça.

Paralimpíadas: Os Jogos invisíveis

Por Kátia Rubio, autora do livro ATLETAS OLÍMPICOS BRASILEIROS (Editora SESI-SP)
O esporte se apresenta para a sociedade contemporânea como um fenômeno de grande abrangência social tanto do ponto de vista do espetáculo como também da atividade profissional e comercial. Tema polêmico como a pena de morte ou o aborto, o esporte afeta e divide profundamente opiniões por provocar polarização emocional e ideológica a respeito de um objeto investido de libido e afetividade, daí a dificuldade em se observar neutralidade ou indiferença.

Uma das justificativas possíveis para tamanha mobilização afetiva está no fato de que vários dos valores vinculados ao esporte contemporâneo remontam à sua origem, reforçando um imaginário que contempla a areté (virtude), a kalokagathia (beleza), a agonística (a disputa na competição), assim como a perseverança observada na construção e busca da melhor forma atlética.

Minha relação com os Jogos Olímpicos me coloca na posição de fonte para quem procura informações sobre os Jogos Paralímpicos, muito embora eu não seja uma especialista no tema. Essa é a razão desse texto. Tento aqui responder ao porquê de o evento Paralímpico ser tão desprezado, tão invisível, aos meios de comunicação, mesmo depois de todo o “sucesso” que seu primo rico viveu na cidade maravilhosa. Para ele não há os inúmeros canais em TV aberta ou paga, as centenas de narradores e comentaristas que propalaram opiniões mais ou menos abalizadas sobre o que acontece nas competições ou ainda as infindáveis entrevistas e exposições com os medalhistas nos programas esportivos, nos jornais regionais e nacionais. Apenas essa constatação já demonstra que falamos de dois eventos distintos, tratados com distinção indesejada, apesar de estarem sob a tutela do mesmo comitê organizador que tem apenas um presidente.

Busco os argumentos para essa tentativa no campo do imaginário, uma vez que por mais que eu tente usar de dados objetivos eles não respondem a contento à indagação inicial.

O imaginário heroico é aquele que sustenta o campo esportivo. Atletas são seres com um quê de humano e outro tanto de divino porque realizam feitos absolutamente incomuns à média da população. Deles transborda a excelência, conquistada por meio de treinamentos intensivos e exaustivos e da abdicação da convivência social regular que outras pessoas da mesma faixa etária têm. Embora mortais, seus feitos incomuns os imortalizam na memória daqueles que apreciam o esporte ou que assistiram a uma performance onde uma marca foi conquistada ou um recorde foi batido. Ou seja, visto por esse ângulo, mesmo compartilhando das imperfeições não aparentes de todos os humanos, a perfeição do gesto marca a realização do atleta olímpico.

Quase todas essas características estão presentes nos atletas paralímpicos: os treinamentos intensivos, a busca pelos resultados, a abdicação de uma vida social em razão da dedicação aos treinos e competições, com uma dose a mais de superação em função de alguma limitação física. Aí está a marca do paralímpico, a superação. Entretanto, nas entranhas do imaginário que sustenta essa atividade está a superação do imperfeito, imperfeito esse negado, e, portanto, invisível e excluído. A cena protagonizada pelo nadador Clodoaldo Silva na cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos mostrou isso. Naquele momento, como em muitos espaços públicos e privados, se falou da necessidade de ambientes produzidos para facilitar a mobilidade, mas em muitos deles o que se tem para chegar ao topo é apenas uma escada. Não há rampas ou elevadores para o acesso. Aí está a negação do discurso inclusivo. Os Jogos Paralímpicos são a representação maior da superação daquilo que se usou denominar imperfeição. Mas as impressões deixadas pela imperfeição se assemelham a uma espécie de derrota, a sombra maior do esporte e da sociedade contemporânea, daí a tendência a ignorá-la ou ocultá-la para que sua existência não seja percebida.

Se o esporte promove um grande número de ídolos consagrados por suas vitórias, há que se reconhecer que essa mesma atividade produz mais derrotados do que vencedores. Ideal da sociedade atual, o vencedor é lembrado e valorizado por seu resultado, ainda que em algumas ocasiões tenha feito uso de recursos escusos para esse fim. Ao derrotado restam a decepção pelo objetivo perdido, a dúvida sobre a própria capacidade e a falta de reconhecimento pelo esforço realizado.

E é exatamente essa condição experimentada por toda uma sociedade que compartilha o valor da vitória, onde não há espaço para o número dois, para aquele que não é tão vitorioso e perfeito quanto o número um. Esse tipo específico de imaginário heroico que promove um estereótipo de perfeição exclui tudo e todos que não se assemelhem à sua imagem e semelhança. Sendo assim, já não basta apenas superar limites, nem ter realizado proezas incomuns dentro de um grupo específico. A perfeição da forma é o referente maior para a vivência do pertencimento.

A diferença é a desencadeadora da indiferença pela realização prodigiosa. O que ocorre com a divulgação dos Jogos Paralímpicos no Brasil caminha nessa direção. Até alguns dias antes da abertura da competição havia pouco mais de 10% dos ingressos vendidos. Mesmo depois de uma campanha intensa de venda, muitas das arenas permaneceram semilotadas. Das TVs abertas apenas a RBC transmitiu a cerimônia de abertura, que foi interrompida pelo horário eleitoral gratuito, e as competições ao vivo, numa demonstração clara de desinteresse pelo evento e por todo o esforço social que anda par e passo com o esporte paralímpico. Um canal de uma TV paga, que dedicou 16 aos Jogos Olímpicos, transmitiu a abertura.

A cerimônia de abertura e as competições paralímpicas apresentam uma oportunidade rara de conhecimento e apropriação de um conteúdo estético distinto da “perfeição” olímpica, mas em nada inferior à sua “excelência”. Apesar dos esforços dos paratletas, que reconhecem e mostram com orgulho as próprias imperfeições, o descaso com o evento foi mais uma oportunidade perdida de se construir um legado.