Editorial - Estadão
De acordo com os cálculos feitos pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ao menos R$ 3,7 milhões a título de propina da OAS. Segundo a denúncia apresentada, está incluído nesse valor, além das benesses referentes ao triplex do Guarujá, o montante de R$ 1,3 milhão que a empreiteira teria pago pela armazenagem, entre 2011 e 2016, de 14 contêineres de Lula. Não há dúvida a respeito de quem bancou o custeio dessa armazenagem. O presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto – que também foi denunciado pela Operação Lava Jato por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro –, admitiu ter recorrido à generosa empreiteira para que ela pagasse a conta da manutenção do acervo do ex-presidente.
Segundo Okamotto, ele não tinha alternativa. “É que não tínhamos dinheiro. Quando fizemos o contrato não tinha recursos. Como vai pagar um aluguel de R$ 25 mil? Não tinha outro jeito. Como é que ia fazer? Onde iria guardar 14 contêineres?”
Dizendo não se tratar de um crime, Okamotto afirma que não se arrepende da decisão de pedir ajuda para a empreiteira. “Eu realmente pedi para a OAS, se isso for um crime então você me diga qual é a pena que sou obrigado a cumprir. Eu sempre disse que pedi apoio à OAS”, reconheceu o diligente Okamotto, que soube com precisão onde buscar os recursos de que tanto necessitava.
O presidente do Instituto Lula disse ainda que o conteúdo dos 14 contêineres – bens que, segundo ele, “integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público” – justificaria que a empreiteira recorresse aos benefícios fiscais concedidos pela Lei Rouanet. “A OAS para mim deveria inclusive reivindicar Lei Rouanet porque está fazendo um pagamento para manter um bem cultural do povo brasileiro”, opinou.
Antes de discutir se é razoável gastar dinheiro público para manter o acervo de Lula, é necessário investigar detalhadamente o conteúdo dos 14 contêineres, coisa que até agora não se fez. Fala-se simplesmente que ele é composto de milhares de cartas e presentes ao ex-presidente Lula.
Ora, existe um Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos (Decreto 4.081/2002), que proíbe o recebimento de presentes. O art. 10 é claro: “É vedado ao agente público, na relação com parte interessada não pertencente à Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou de organismo internacional de que o Brasil participe, receber presente, transporte, hospedagem, compensação ou quaisquer favores, assim como aceitar convites para almoços, jantares, festas e outros eventos sociais”.
No caso de ser impossível ou inconveniente rejeitar o presente oferecido, o parágrafo 2.º do mesmo artigo do Código de Ética define o destino a ser dado: “Os presentes que, por qualquer razão, não possam ser recusados ou devolvidos sem ônus para o agente público serão incorporados ao patrimônio da Presidência da República ou destinados a entidade de caráter cultural ou filantrópico, na forma regulada pela Comissão de Ética dos Agentes Públicos da Presidência e Vice-Presidência da República”.
Como se vê, não basta esclarecer a que título a OAS pagou a conta da armazenagem dos 14 contêineres de Lula. Também é de interesse público que seja investigado o conteúdo exato do que consta nesse acervo, já que, como preceitua o Código de Ética, presente recebido no exercício de cargo público federal não se incorpora ao patrimônio pessoal do funcionário.
Pode ser que tudo não passe de um mal-entendido e os 14 contêineres estejam lotados de bugigangas – regalos de até R$ 100, que não entram na proibição do Código de Ética. De toda forma, é importante investigar o conteúdo do acervo de Lula. Afinal, não fica bem pairar sobre o homem que se diz o mais honesto do País dúvidas sobre sua adesão ao Código de Ética.
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