Editorial - Estadão
A consumação do segundo impeachment de um presidente da República em pouco mais de duas décadas obriga a uma profunda reflexão sobre a disfuncionalidade do sistema de representação em vigor no Brasil. Desse defeito estrutural decorrem graves riscos para a estabilidade política do País. Tanto no caso de Fernando Collor de Mello em 1992 como no de Dilma Rousseff agora, o que se viu foi o uso do impeachment para apear da Presidência governantes incapazes de arregimentar, por meios legítimos e legais, apoio suficiente no Congresso nem sequer para salvar a pele, que dirá para governar o País.
Os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, como a Lei 1.079, de 1950, previstos para salvaguardar o interesse nacional em casos extremos, são razoavelmente eficazes. Por eles se resolvem os excessos cometidos contra a lei orçamentária e a administração do dinheiro público, como foi o caso de Dilma, e de quebra de decoro, como aconteceu com Collor. O problema, portanto, não reside aí.
O que condena o País a viver crises políticas periódicas é a estrutura viciosa e viciante do sistema partidário e eleitoral. A pretexto de permitir-se a livre manifestação das ideias, foram criadas imensas facilidades para a formação de partidos. São mais de 30, e há outros tantos no forno. Criam-se partidos com mais facilidade do que se abrem negócios de secos e molhados. Não há ideologias e programas para tantos partidos. E muitos deles, de propósito ou por falta do que melhor fazer, se tornam, de fato, agentes de negócios, tendo por capital tempo de propaganda gratuita e como avalistas eleitores ingênuos que sufragam os mais espertos do grupo.
Nesse sistema é praticamente impossível um candidato eleger-se para cargo majoritário – de prefeito a presidente da República – e, ao mesmo tempo, conquistar maioria no Legislativo. Esse sistema é uma fábrica de governos de minoria. É consequência da tendência parlamentarista que teve certo predomínio nos trabalhos da Constituinte de 1988. Mas acabou prevalecendo a ideia presidencialista, o que resultou nesta extravagância que temos de suportar.
Completa sua irracionalidade a clausura em que se transformaram os partidos, devido ao facilitário legal. São eles, na maioria, propriedade titulada de alguns que, para não perder suas posses, restringem o debate interno ao mínimo e impedem a renovação de quadros. Assim, a vida partidária se estiola, nela ficando os de sempre e dela se afastando a juventude idealista disposta a servir à Nação.
Graças ao sistema eleitoral proporcional em vigor, esses partidos conseguem eleger nulidades sem nenhuma representatividade, mas com grande apetite pelas sinecuras que os governos costumam oferecer para compor sua base de apoio. Tal maioria, como é possível depreender, não é nem fiel nem programática: reúne-se e vota a favor do governo somente se for devidamente alimentada. A cada votação, cada um dos parlamentares, como se fosse um partido de si mesmo, apresenta sua fatura ao governo.
Para recuperar o valor do voto, e acabar com esse mercado indecente, seria necessário aprovar um sistema que restabelecesse a relação do eleitor com o eleito. O sistema distrital seria a solução óbvia – cada partido apresenta apenas um candidato por distrito, e quem tiver mais votos leva a vaga. Hoje, o sistema é proporcional, por meio do qual muitos candidatos se elegem sem que o eleitor saiba quem são, fenômeno agravado pela possibilidade de coligações, que permitem a eleição até de quem teve apenas um punhado de votos. A ausência de uma cláusula de barreira suficiente para barrar partidos de aluguel completa a desmoralização do Congresso.
E assim se chega ao centro do problema, que mina o edifício da democracia brasileira. O Congresso deixou de ser o local em que se negociam projetos para o País. Prevalecem os interesses paroquiais, quando não a mais desbragada corrupção, sempre por meio de maiorias de ocasião. Estabelece-se, assim, um círculo vicioso, que nada tem a ver com o desejado mecanismo de freios e contrapesos entre os Poderes, muito menos com governabilidade. Esse sistema não é a causa da corrupção que devora o Tesouro e pisoteia a dignidade da Política. Há sempre a considerar o mal que habita a alma humana. Mas o despautério do sistema é um convite à transgressão. É preciso, com urgência, fazer uma reforma política decente.
Os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, como a Lei 1.079, de 1950, previstos para salvaguardar o interesse nacional em casos extremos, são razoavelmente eficazes. Por eles se resolvem os excessos cometidos contra a lei orçamentária e a administração do dinheiro público, como foi o caso de Dilma, e de quebra de decoro, como aconteceu com Collor. O problema, portanto, não reside aí.
O que condena o País a viver crises políticas periódicas é a estrutura viciosa e viciante do sistema partidário e eleitoral. A pretexto de permitir-se a livre manifestação das ideias, foram criadas imensas facilidades para a formação de partidos. São mais de 30, e há outros tantos no forno. Criam-se partidos com mais facilidade do que se abrem negócios de secos e molhados. Não há ideologias e programas para tantos partidos. E muitos deles, de propósito ou por falta do que melhor fazer, se tornam, de fato, agentes de negócios, tendo por capital tempo de propaganda gratuita e como avalistas eleitores ingênuos que sufragam os mais espertos do grupo.
Nesse sistema é praticamente impossível um candidato eleger-se para cargo majoritário – de prefeito a presidente da República – e, ao mesmo tempo, conquistar maioria no Legislativo. Esse sistema é uma fábrica de governos de minoria. É consequência da tendência parlamentarista que teve certo predomínio nos trabalhos da Constituinte de 1988. Mas acabou prevalecendo a ideia presidencialista, o que resultou nesta extravagância que temos de suportar.
Completa sua irracionalidade a clausura em que se transformaram os partidos, devido ao facilitário legal. São eles, na maioria, propriedade titulada de alguns que, para não perder suas posses, restringem o debate interno ao mínimo e impedem a renovação de quadros. Assim, a vida partidária se estiola, nela ficando os de sempre e dela se afastando a juventude idealista disposta a servir à Nação.
Graças ao sistema eleitoral proporcional em vigor, esses partidos conseguem eleger nulidades sem nenhuma representatividade, mas com grande apetite pelas sinecuras que os governos costumam oferecer para compor sua base de apoio. Tal maioria, como é possível depreender, não é nem fiel nem programática: reúne-se e vota a favor do governo somente se for devidamente alimentada. A cada votação, cada um dos parlamentares, como se fosse um partido de si mesmo, apresenta sua fatura ao governo.
Para recuperar o valor do voto, e acabar com esse mercado indecente, seria necessário aprovar um sistema que restabelecesse a relação do eleitor com o eleito. O sistema distrital seria a solução óbvia – cada partido apresenta apenas um candidato por distrito, e quem tiver mais votos leva a vaga. Hoje, o sistema é proporcional, por meio do qual muitos candidatos se elegem sem que o eleitor saiba quem são, fenômeno agravado pela possibilidade de coligações, que permitem a eleição até de quem teve apenas um punhado de votos. A ausência de uma cláusula de barreira suficiente para barrar partidos de aluguel completa a desmoralização do Congresso.
E assim se chega ao centro do problema, que mina o edifício da democracia brasileira. O Congresso deixou de ser o local em que se negociam projetos para o País. Prevalecem os interesses paroquiais, quando não a mais desbragada corrupção, sempre por meio de maiorias de ocasião. Estabelece-se, assim, um círculo vicioso, que nada tem a ver com o desejado mecanismo de freios e contrapesos entre os Poderes, muito menos com governabilidade. Esse sistema não é a causa da corrupção que devora o Tesouro e pisoteia a dignidade da Política. Há sempre a considerar o mal que habita a alma humana. Mas o despautério do sistema é um convite à transgressão. É preciso, com urgência, fazer uma reforma política decente.
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