Editorial - Estadão
Graças ao precedente aberto por uma medida provisória assinada em julho pelo presidente Michel Temer, flexibilizando o horário do programa Voz do Brasil durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, com o objetivo de assegurar a transmissão de eventos esportivos, o Congresso está disposto a adotar essa medida em caráter definitivo. A mesma iniciativa também foi adotada em 2014, durante a Copa do Mundo, uma vez que, dos 64 jogos, 27 foram marcados no mesmo horário do programa. A medida provisória editada por Temer deve caducar em 22 de novembro. Os defensores da flexibilização permanente da Voz do Brasil querem votá-la antes que perca a validade. O relator José Rocha (PR-BA) já se manifestou favorável à mudança. A ideia é que, em vez da obrigatoriedade da transmissão desse programa entre as 19 e as 20 horas, como ocorre hoje, as rádios comerciais e as emissoras educativas e vinculadas aos Poderes Legislativos municipais, estaduais e federal tenham a liberdade de levá-lo ao ar entre as 19 e as 22 horas, conforme sua conveniência.
A iniciativa – que não sofre restrições do Ministério das Comunicações, já que seus técnicos consideram desinteressante e anacrônico o boletim oficial do governo – atende antiga reivindicação da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). A entidade alega que, além de prejudicar as grandes coberturas jornalísticas, pois as rádios são obrigadas a interromper coberturas de eventos de grande repercussão para transmitir a Voz do Brasil, o boletim oficial é tão ruim que acaba derrubando a audiência durante o resto da programação noturna. Segundo a Abert, enquanto na parte da manhã o número de ouvintes sintonizados na região metropolitana de São Paulo é o dobro de pessoas com aparelho de televisão ligados, depois das 20 horas a audiência média da televisão é cinco vezes superior à dos aparelhos de rádio.
A perda de audiência causa vultosos prejuízos às emissoras comerciais, uma vez que afugenta os patrocinadores. Em média, uma inserção publicitária de 30 segundos custa até R$ 10 mil na programação matutina de uma rádio de grande porte, na Grande São Paulo. Já nos programas que vão ao ar depois da Voz do Brasil, o preço cai para R$ 300.
Programa típico de regimes fechados, a Voz do Brasil é mais uma herança da ditadura varguista. Transmitida pela primeira vez em julho de 1935, com o nome Programa Nacional, ela sempre fez proselitismo político e divulgou realizações do governo, sob o pretexto de prestar um serviço público relevante numa época em que o rádio era o único veículo de comunicação de massa e o País ainda não havia iniciado sua industrialização. Em 1939, o nome foi mudado para Hora do Brasil e, no governo Médici, durante a ditadura militar, passou a se chamar Voz do Brasil.
Ao longo das últimas oito décadas, a economia se diversificou, a sociedade se urbanizou, o Brasil ingressou no regime democrático e as comunicações passaram por várias revoluções tecnológicas, obrigando as rádios a se adequarem à concorrência não apenas das televisões, mas, também, dos blogs e twitters. Apesar disso, a Voz do Brasil manteve seu caráter compulsório, oficialista e antiquado, servindo para que senadores e deputados federais, além de funcionários do Executivo e do Judiciário, tenham seus segundos de exposição gratuita em rede nacional. É por isso que até hoje eles defendem a continuidade desse boletim oficial, sob a justificativa de que seria um “instrumento indispensável de disseminação de informações”. E, para evitar que o programa fosse extinto, por falta de utilidade, chegaram até a defender – sem sucesso – a aprovação de um projeto que o classificava como “patrimônio cultural imaterial do Brasil”.
Diante da resistência à extinção da Voz do Brasil, a flexibilização de seu horário seria um passo necessário, ainda que insuficiente, para a remoção de um dos mais antigos entulhos autoritários do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário